Mochilas leves, fardos pesados

Por

Médicos Sem Fronteiras

Em 07.03.2021

O que enfrentam os migrantes que saem da América Central rumo aos Estados Unidos?

Eles viajam com pouca bagagem porque precisam fugir rápido, andar rápido, chegar rápido. Tudo o que resta a eles é ir em busca de um lugar seguro, onde a vida normal seja possível. Mochilas leves para um caminho difícil, repleto de perigos. Mochilas leves porque já carregam o mais pesado: medo, violência, pobreza, ameaças, falta de oportunidades, o medo de um futuro que só deve piorar.

1. Mochila de Michael. 2. Uma oração. 3. Roupa íntima extra. 4. Analgésicos. Muitos carregam frequentemente medicamentos para doenças respiratórias ou dores musculares, devido às difíceis condições da viagem. 5. Celular. A última chamada que Michael fez foi para dizer à sua mãe que estava bem e que não se preocupasse com ele. 6. Pomada e remédio para dores musculares. 7. Sandálias, para aliviar os pés após as longas caminhadas. 8. Casaco. Um item essencial para se manter quente durante a noite.

Mesmo com a pandemia de COVID-19, dezenas de milhares de pessoas estão na estrada, fugindo de países da América Central para os Estados Unidos. Eles são especialmente vulneráveis, porque aqueles que deveriam protegê-los geralmente abusam deles.

Antes da COVID-19, sua jornada pelo México já era difícil. Expostos aos riscos de sequestro, tortura, roubo, violência sexual e extorsão, muitos se tornaram vítimas infelizes de um negócio muito lucrativo para gangues criminosas, que se beneficiaram das políticas de migração restritivas dos EUA e do México. A criminalização dos migrantes tem sido, por muitos anos, outro fardo pesado em suas mochilas.

A viagem pelo México parece muito mais difícil e perigosa do que antes da pandemia, já que muitos dos abrigos onde antes podiam encontrar uma cama, comida e segurança agora estão fechados ou têm capacidade reduzida.

Com pouquíssimas opções de refúgio, milhares de migrantes – muitos deles crianças pequenas – dormem ao lado de trilhos de trem, em praças e parques públicos e sob pontes rodoviárias. Os sortudos – aqueles que ainda têm algum dinheiro – alugam quartos em ruínas que às vezes dividem com 10 ou 15 outras pessoas, dormindo no chão em tapetes sujos ou sacos plásticos, sem um cobertor sequer.

Nas clínicas móveis mantidas por equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em diferentes pontos ao longo da rota migratória mexicana, eles chegam com os pés machucados devido à longa jornada, com os olhos arregalados pela desidratação e com os lábios secos e rachados. Eles comem o que as pessoas lhes dão e muitas vezes passam dias sem se alimentar. Eles carregam seus pertences em mochilas velhas e esfarrapadas ou, quando roubadas, em sacos plásticos.

 Yesika Ocampo/MSF

1. Calça extra. 2. Loção. 3. Escova de dentes. 4. Desodorante. 5. Toalha sanitária. 6. Máscara facial. 7. Garrafa d’água. 8. Analgésicos. 9. Celular. Isto permite que ela se mantenha em contato com sua família e que eles saibam que ela está bem. 10. Suéter. Isto é tudo o que Ingrid tem para se manter quente. 11. Kit MSF. Este é um kit básico com produtos de higiene pessoal, solução de reidratação oral e água potável. O kit dado às mulheres inclui toalhas sanitárias e fraldas caso elas estejam viajando com bebês ou crianças pequenas.

Há poucos trens para pegar carona e nenhum dinheiro para pegar ônibus, então, eles caminham o dia todo por vários quilômetros sob um sol escaldante. Menos abrigos significam menos lugares onde eles possam se deitar após um longo dia na estrada, onde possam tomar banho, lavar suas roupas, fazer uma refeição, beber um pouco de água e conseguir medicamentos e cuidados médicos.

Nos últimos meses, houve momentos em que o número de migrantes nas estradas e nos abrigos diminuiu, em parte devido ao fechamento das fronteiras. Mas agora os números estão aumentando novamente e as pessoas afetadas pela violência, pobreza e devastação estão de volta.

O recém-nomeado presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometeu reverter muitas das políticas anti-migrantes impostas por Trump. Resta ver o que essa reversão realmente significará. Em qualquer caso, as mudanças levarão vários meses e nada mudará do dia para a noite. Os abrigos permanecem fechados e centenas de famílias continuarão dormindo nas ruas, expostas aos perigos colocados pelo México e pela pandemia, ansiando por proteção e abrigo, buscando uma forma de contornar todos os obstáculos, com suas mochilas leves e seus fardos pesados.

 Yesika Ocampo/MSF

1. Kit MSF. O kit básico para homens contém um frasco de água, dois sachês de solução de reidratação oral, duas barras de sabão, uma escova e pasta de dentes, um mapa do México mostrando rotas e abrigos para migrantes, informações sobre a linha de ajuda psicológica de MSF, um grande saco de polietileno, duas lâminas de barbear e um par de meias extras. 2. Garrafa de água. 3. Meias. 4. Lanterna a pilha. 5. Sachê de maionese. Com o fechamento dos abrigos e a suspensão de muitos serviços, incluindo o fornecimento de alimentos, Jorge passa fome frequentemente. Ele economiza qualquer comida que recebe. 6. Suéter. 7. Bíblia. Em mais de uma ocasião, ele a deixou cair, razão pela qual está rasgada e surrada. 8. Carregador telefônico. Jorge foi deixado com o carregador depois que seu telefone foi roubado, juntamente com o pouco dinheiro que tinha com ele. 9. Mochila.

Foto destaque: Christina Simons/MSF