8 de março: pandemia, violência e a mulher
Mirtes Cordeiro*
Em 08.03.2021
A minha saudação neste dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher vai para todos as mulheres deste nosso país que, com certeza, redobraram suas labutas neste tempo de pandemia, realinharam as suas vidas e sofreram o luto por seus mortos.
O dia hoje não é só de homenagem, mas de reconhecimento pela força que as mulheres têm desprendido no seu dia a dia no mercado de trabalho, no empreendedorismo e sobretudo na responsabilidade pela manutenção das famílias.
As mulheres empreendedoras já somam mais de 30 milhões no Brasil, de acordo com a Global Entrepreneurship Monitor, o que representa 48,7% do mercado empreendedor. Cerca de 44% delas são chefes de família e 85% são responsáveis pela decisão de compra dentro do lar. Isso é força de trabalho e de consumo. O papel de coadjuvante na economia não cabe mais à mulher. O que falta é apoio e representatividade dentro dos governos e no Parlamento para que se avance nas políticas públicas que lhes deem o respaldo necessário para sua sobrevivência e contra os malefícios da discriminação por ser mulher.
Só no último ano o empreendedorismo feminino cresceu em 40%, segundo dados da Rede Mulher Empreendedora. A dupla jornada ainda está presente. Então, muitas mulheres abrem negócios menores que geram renda, mas que são conciliáveis com os cuidados de casa. Para Karine Oliveira, fundadora da Wakanda Educação Empreendedora (@wakanda_educacao), o aumento das empreendedoras por necessidade é resultado das demissões em massa, já que as mulheres são as primeiras a ser demitidas e as últimas a sair do desemprego. (dados de 2018)
Daí a necessidade de políticas públicas como a universalização do atendimento em creche, a implantação da escola em tempo integral em todos os municípios e a proteção contra a violência doméstica, que aumentou em cerca de 22% no Brasil nesse tempo de pandemia.
“Com o confinamento social, medida de combate à pandemia causada pelo novo coronavírus, os casos de violência contra mulheres e meninas têm aumentado em todo o mundo. O alerta foi feito pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Em mensagem de vídeo, Guterres lembrou que, para muitas mulheres, a maior ameaça está dentro de casa. Ele afirmou ainda que ações e recomendações para que as pessoas não saiam de casa podem se tornar armadilhas para mulheres com parceiros abusivos”.
Pesquisas indicam que após a criação da Lei Maria da Penha – somente 2,4% dos municípios brasileiros contavam com casas-abrigo de gestão municipal para mulheres em situação de violência doméstica. Dos 3.808 municípios com até 20 mil habitantes, quase 70% do total de municípios no Brasil, apenas nove possuíam casas-abrigo.
Além disso, somente 9,7% dos municípios brasileiros oferecem serviços especializados de atendimento a violência sexual e 8,3% possuem delegacias especializadas de atendimento à mulher. Esses serviços, assim como cooperações e convênios para políticas para mulheres, também estão concentrados nos municípios mais populosos. (dados de 2018)
É claro que passando a pandemia precisaremos rever muitas coisas das nossas vidas, mas sobretudo precisaremos nos debruçar sobre essa questão da violência que mata mulheres diariamente e se constitui em crimes de diversos tipos, praticados de várias formas.
A violência contra as mulheres brasileiras atinge também as crianças e nos envergonha diante de nós e do mundo.
A cada 6 horas, uma mulher é morta dentro de casa no Brasil. (Fórum de Mulheres)
No entanto, mulheres e homens são seres humanos, sujeitos de direitos.
As mulheres ainda são discriminadas no Brasil pelo racismo e pelo machismo que se fizeram incorporados à nossa cultura e a sociedade como um todo a partir das heranças colonizadoras, moldados pela educação escolar e pelos ensinamentos religiosos.
“Em verdade, as mulheres nunca opuseram os valores femininos aos valores masculinos; foram os homens, desejosos de manter as prerrogativas masculinas, que inventaram essa divisão: pretenderam criar um campo de domínio feminino – reinado da vida, da imanência – tão somente para nele encerrar a mulher “(Simone de Beauvoir in O Segundo Sexo)
Meus primeiros contatos com o movimento de mulheres foi durante o Movimento pela Anistia (1975), quando as mulheres brasileiras saíram na frente na luta contra a ditadura militar. Tempos depois participei com outras mulheres, no município do Cabo de Santo Agostinho, da criação do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), em 1984. As fundadoras foram Efigênia Oliveira, líder comunitária; Silvia Cordeiro, médica; Silvia Alexandre, advogada; Francisca Amaro, líder comunitária; Dona Lourdes, líder comunitária; Dona Regina, líder comunitária; Conceição Oliveira, advogada, Anita, pescadora e eu.
O CMC cresceu, se transformou e até hoje faz um belo trabalho de formação e garantia dos direitos das mulheres no município.
Logo depois, em 1985, assumi a presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Era um momento de redemocratização do país, o que fazia com que as energias das forças progressistas acatassem determinadas propostas que viessem trazer benefícios à população e ao fortalecimento democrático.
Foi trabalhando incansavelmente no Cabo como secretária de Educação e como membro do movimento de mulheres que compreendi a grandeza da participação da mulher no seio da sociedade, o que só se ampliou até hoje. As mulheres conduzem as famílias, educam os filhos, estão nas universidades, na saúde, são maioria nos hospitais, nas unidades de saúde, nas escolas, nas feiras. Estão também na construção civil, nos táxis, nas empresas, na cultura… afinal somos 51,83% da população brasileira.
Na verdade, as mulheres são a espinha dorsal deste país chamado Brasil, e por isso mesmo sofrem também com as dificuldades impostas pela tamanha desigualdade social que carregam no dia a dia.
O que vale neste momento é a esperança. É preciso mudar essa situação.
Que se aplaque a tragédia da pandemia! Que nós, mulheres, continuemos a juntar o nosso potencial criativo, a nossa inteligência, a nossa disposição, a nossa responsabilidade diante da vida, o nosso amor por nós mesmas, a nossa busca pela felicidade… e avancemos na busca pelos nossos direitos.
Por uma sociedade em que as mulheres sejam livres para ir e vir sem que violência alguma lhe aconteça. E quem sabe, os homens também se tornarão livres…
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Foto destaque: sengeba.org.br