Legítima defesa da honra remete ao Brasil colonial, diz Alexandre de Moraes

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Tábata Viapiana/Consultor Jurídico

Em 11.03.21

Não pode o Estado permanecer omisso perante a naturalização da violência contra a mulher, sob pena de ofensa ao princípio da vedação da proteção insuficiente e do descumprimento ao compromisso adotado pelo Brasil de coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, §8º, da Constituição).

O entendimento é do ministro Alexandre de Moraes ao votar pela inconstitucionalidade da legítima defesa da honra. Ele votou para excluir qualquer interpretação da tese, assentando ainda a nulidade de sua invocação perante o Tribunal do Júri por qualquer envolvido na relação processual, inclusive magistrados. O tema está sendo discutido pelo Plenário Virtual na ADPF 779.

“Entendo que o emprego desse argumento, a fim de convencer o julgador (jurados e magistrados) no sentido da existência de um suposto, e inexistente, direito de legítima defesa da honra, leva à nulidade do ato e do julgamento, impondo seja outro realizado no lugar”, afirmou Alexandre.

O ministro lembrou que a origem do discurso jurídico e social que sustenta o argumento da legítima defesa da honra remonta ao Brasil colonial, tendo sido construído, ao longo de séculos, como salvo-conduto para a prática de crimes violentos contra as mulheres.

“E o que se vê até hoje, infelizmente, é o uso indiscriminado dessa tese como estratégia jurídica para justificar e legitimar homicídios perpetrados por homens contra suas companheiras, nada obstante o número elevadíssimo de feminicídio registrado no Brasil, colocando o país como um dos líderes de casos registrados entre as nações mundiais”, completou.

Segundo Alexandre, uma análise do Brasil desde os tempos de colônia aponta para um discurso complacente com a violência contra as mulheres, pensada como mera propriedade do homem: “O ato de matar a esposa considerada infiel transformou-se historicamente em verdadeiro mérito do marido, que vinga a sua desonra com sangue”.

Assim, conforme o ministro, legitimou-se a honra masculina como bem jurídico de maior valor que a vida da mulher. Para ele, a realidade só começou a mudar com a promulgação da Constituição de 1988 e com medidas recentes, como a Lei Maria da Penha, a tipificação do feminicídio e a consolidação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher.

“Não obstante tais avanços legais e institucionais, verifica-se, ainda, a subsistência de um discurso e uma prática que tentam reduzir a mulher na sociedade e naturalizar preconceitos de gênero existentes até os dias atuais, perpetuando uma crença estruturalmente machista, de herança histórica, que considera a mulher como inferior em direitos e mera propriedade do homem”, afirmou.

Neste cenário, ele destacou o papel do STF de proibir o uso do argumento da legítima defesa da honra, “que não mais encontra guarida à luz da Constituição de 1988, sob pena de ofensa aos princípios da dignidade, da igualdade, da vida e da proibição à discriminação”.

Até o momento, além de Alexandre, três ministros também já votaram pela inconstitucionalidade da tese: o relator Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Edson Fachin.

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ADPF 779