De Rembrandt a Severino Florêncio, a parábola do Filho Pródigo
Jénerson Alves*
Em 12.03.2021
Penso que não foi à toa que o professor Northrop Frye chamou a Bíblia de “código dos clássicos”. As Sagradas Escrituras servem de inspiração literária para diversas outras manifestações artísticas. O texto de São Lucas, capítulo 15, é uma dessas fontes perenes, sobretudo no trecho acerca da parábola do Filho Pródigo. A narrativa serviu de inspiração para Rembrandt pintar o quadro ‘O retorno do filho pródigo’, em 1668. Através do jogo de luzes, o pintor conseguiu transmitir uma mensagem maravilhosa. O brilho que emana da face do pai ilumina totalmente o filho mais novo. Porém, esta luz clareia apenas parcialmente o rosto do filho mais velho. Outro detalhe emocionante da peça está nas mãos do pai. Enquanto a mão esquerda do genitor é viril, musculosa e larga, a mão direita é macia, meiga e delicada. Uma é masculina e outra é feminina. Ou seja, é um pai que ama feito uma mãe. É, ao mesmo tempo, segurança e carinho.
Pois bem; lembrei-me do quadro há alguns dias, quando tive acesso a uma obra fílmica do Grupo de Teatro Arte em Cena, de Caruaru-PE. De forma simples, o curta consegue emocionar ao contextualizar a parábola narrada por Jesus Cristo com uma linguagem nordestina e encenação atualizada. Com adaptação de José Bezerra, os atores Severino Florêncio e Naldo Venâncio dão vida ao espetáculo. A captação de imagens é de Mayllson Ricardo, com iluminação de Edu Oliveira.
Como toda boa obra de arte, o filme possibilita múltiplas interpretações. Questões como gratidão, paternidade, amor, empatia, significado da vida, entre outras, estão entremeadas nos 12 minutos e 57 segundos que compõem o vídeo. Além de ser o narrador da história, Severino Florêncio interpreta o pai do Filho do Pródigo, encarnando as características de amor e devoção presentes na personagem. Já Naldo Venâncio faz os papéis do Filho Pródigo e do seu irmão. O que parece é que essa estratégia aponta que, apesar do título, o protagonista da história não é nenhuma personagem física, mas o próprio amor. Narradores, personagens, atores… todos se tornam coadjuvantes. A mensagem se ergue como ente essencial, tocando a quem assiste ao curta.
Assim como na obra de Rembrandt, ‘O Filho Pródigo’ desperta a reflexão para as escolhas que fazemos na vida e as possibilidades de recomeço. Uma mensagem fundamental para os tempos sombrios que estamos vivendo, nos quais a esperança insiste em permanecer viva como o amor do Pai.
Você pode assistir ao filme através do seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=KmO1TNeVEjc&feature=youtu.be
Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.