Mistura de ignorâncias

Por

Ayrton Maciel*

Em 14.03.2021

Na etimologia da palavra, a ignorância significa a falta de conhecimento. Pode ser por o indivíduo não ter oportunidade de acesso a fatos e escritos, pode ser por um estado deliberado de ignorar, o que é um estado consciente. Para além do dicionário, a ignorância é definida na práxis pela ação bruta, violenta, para resolver divergências.  O mundo vive esse estágio, ele é ciclico. É inaceitável – por isso, combatido – porque a ignorância questiona e ameaça a democracia, a liberdade, o saber e a pesquisa, que resulta da curiosidade e de ter consciência de que não se sabe de tudo. É preciso saber mais.

O Brasil vive este estágio, o da ignorância. O ódio que revolta, aflige, angustia – separa amigos e divide famílias – e ameaça a paz social é a consequência da junção das ignorâncias. Uma contesta o conhecimento e, assim, diz que a terra é plana, a fé cura e a ciência mata. Outra se propõe a resolver pela força – o grito, o punho e o fuzil – as diferenças, as quais odeia. As ignorâncias não toleram o diálogo, não admitem a alternativa, não cultivam o poder como rodízio entre contrários. Por esses atributos, acreditam que matar 30 mil – como dizem – eliminará os contrários e erradicará as suas ideias.
A ignorância de conhecimento é a maior fonte de mistura de interpretações. O indivíduo não é capaz de discernir – verdade e mentira, bem e mal, crueldade e fraqueza  -, o que o torna um grande problema, frequentemente uma grande ameaça. Sem conhecimento e senso crítico, tudo que lhe chega é interpretado sem base. Nos dias atuais, faz da imensa quantidade de assuntos uma salada levada ao liquidificador. Sem distinguir, a massa de informações que absorve vira uma sopa, um bolo, com a mesma receita: intervenção militar, fechar o STF e Congresso, liquidar a democracia e matar 30 mil.
Recorro ao filósofo e professor universitário Mário Sérgio Cortella, que fala dos indivíduos sem “capacidade cognitiva”. Na ignorância (sem conhecimento sistematizado) e pela ignorância (a violência) como juízo das divergências. E qual o perigo de eventualmente ter tantos no estágio da ignorância, alguns em duplo estágio? Para essas pessoas, moral e ética estão abaixo de força e unicidade, um corpo único integralista que tem a religião como fundamentalismo de sua ação. Por suas interpretações, não é difícil matar, pôr o revólver na cabeça do opositor, quebrar com um soco o rosto do discordante, defender golpe e intervenção, cortar a cabeça de “comunistas” do STF, fechar o Congresso e calar a imprensa, porque isso tudo faz parte da solução.
O subdesenvolvimento é o estágio da ignorância. Em tempos normais, ela emperra o crescimento do país. Nos tempos atuais, vive o seu pico.  A cada dia um novo terror. Mente-se com cinismo, ameaça-se sem medo e desrespeita-se sem qualquer pudor. Sossego deixou de ser algo objetivo, embora imaterial. A ignorância tem dupla face e múltiplos custos.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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