A educação em tempo de pandemia
Mirtes Cordeiro*
Em 15.03.2021
No início da pandemia escrevi um texto sobre educação através do qual eu defendia o fechamento das escolas. Penso que fui movida pelo desconhecimento e medo do novo coronavírus e por entender que íamos todos praticar o distanciamento social e logo ficaríamos livres da doença. Hoje tenho dúvida. Talvez os alunos estivessem melhor protegidos nas escolas, mas infelizmente nem todas têm as condições de salubridade necessárias à proteção da vida.
Um ano depois, continuamos sem praticar o distanciamento na medida em que a Ciência tem indicado e nos deparamos com mais de 278,3 mil mortos e uma média de mais de 1.500 mortos por dia em nosso país nas últimas duas semanas.
As Escolas foram fechadas e a Educação se aventurou a se reinventar através de processos remotos de aprendizagem, sem que professores de modo geral estivessem qualificados para tal empreitada. Claro que as escolas se movimentaram sobretudo pela criatividade e o improviso de professores abnegados responsáveis pelo compromisso de ensinar.
Mais de 1,5 bilhão de alunos e 60,3 milhões de professores de 165 países foram afetados pelo fechamento de escolas devido à pandemia do coronavírus. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Nessa crise sem precedentes e de proporção global, educadores e famílias inteiras tiveram que lidar com a imprevisibilidade e, em benefício da vida, (re) aprender a ensinar e aprender de novas formas.
Na China, “cerca de 240 milhões de crianças e jovens se adaptaram rapidamente ao fechamento das instituições de ensino e passaram a ter aulas remotas em uma escala jamais vista, da educação básica ao ensino superior. Os chineses mostraram que é possível fechar as salas de aula sem parar de aprender”. (Paulo Arns da Cunha)
No Brasil os impactos provocados pelo fechamento das escolas aconteceram de forma diferenciada, dada a situação de profunda desigualdade socioeconômica entre as famílias e entre o sistema público de ensino e as escolas privadas.
Os alunos das escolas públicas foram impactados pela ausência de planejamento, falta de computadores, indisponibilidade de redes de conexão com a internet, dificuldades de adaptação às aulas virtuais e falta de orientação nas famílias.
De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED), 67% dos alunos se queixaram de dificuldades em estabelecer e organizar uma rotina diária de estudos.
Os estudantes também relataram outros problemas relacionados a aprendizagem à distância, como sobrecarga e saudade da rotina escolar. Para 82,6% dos alunos, a falta do contato presencial com amigos e professores afeta os estudos e a aprendizagem. Para 58,3% deles, a sobrecarga de materiais encaminhados impede o desenvolvimento da capacidade de pensar, raciocinar e se concentrar durante os períodos de estudo.
Enquanto isso, tem sido comum professores relatarem as dificuldades em dar conta de uma realidade que não era habitual e para a qual não estavam devidamente preparados, além do esgotamento a que já eram submetidos por não contar já anteriormente com condições necessárias ao desenvolvimento do processo de aprendizagem em nossas escolas. “Os recursos didáticos de que dispomos não são suficientes para planejarmos aulas lúdicas, gravarmos, editarmos, enviarmos, interagirmos e acompanharmos a aprendizagem. Passamos o dia todo no celular a trabalho e usamos o final de semana para nos reinventarmos para a próxima semana. Também precisamos deletar arquivos da memória do celular o tempo todo, para ter espaços para as atividades do outro dia”, relata uma professora através de pesquisa realizada.
Segundo os professores, suas rotinas também foram afetadas. Passaram a trabalhar numa jornada de até 14 horas por dia para dar conta de gravar aulas, atender dúvidas por vídeo chamada, imprimir, escanear e dar retorno das atividades. “O trabalho de uma aula agora inclui gravação, edição e upload na plataforma. Não fui preparado para ser youtuber” brinca um professor.
No entanto, com o confinamento e o fechamento das escolas se ampliaram as relações de aproximação e solidariedade entorno das mesmas. Em função das mudanças com relação as aulas remotas, ou seja, em casa, alunos e suas famílias promoveram uma reorganização de suas vidas em função de suprir as necessidades já muito escassas nas comunidades no que se refere à tecnologia. A comunidade se viu de repente envolvida em emprestar para o uso de alunos e professores, computadores, tabletes, aparelhos celulares, acesso à internet. Não mais que de repente se desenvolveu uma solidariedade espontânea, sempre buscada, mas nunca realizada.
Sabemos que o país inteiro convive com uma situação de muita dificuldade com relação à educação. Quando a escola pública era considerada boa e propiciava boa aprendizagem, não alcançava o grande contingente de crianças e adolescentes que dela necessitava.
O inventor da escola pública no Brasil, podemos dizer, foi Anísio Teixeira, que morreu em 11 de março de 1971, fazendo, agora, 50 anos de sua morte e 121 anos do seu nascimento. Um Jurista que se transformou em escritor e educador, defensor de uma escola que abrigasse a todos, que fosse democrática, laica pública e gratuita. Sobretudo que privilegiasse o aprendizado do aluno a partir de sua própria experiência.
Segundo Marcio Ferrari, na visão de Anísio Teixeira “as novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil”.
Anísio defendia a escola em tempo integral para professores e alunos, espaço necessário à convivência e desenvolvimento de experiências que cada vez mais colocasse alunos e professores em ações pedagógicas que devam ultrapassar determinadas barreiras do conhecimento, por não se contentarem a aprender apenas as técnicas e conhecimentos mais simples, mas também as últimas conquistas da ciência e da cultura. Só assim, dizia, os mestres tentarão renovar a humanidade para “a grande aventura de democracia que ainda não foi tentada”.
Já se vão muitos anos, décadas, que o Brasil segue “patinando” em políticas educacionais que pouco tem contribuído para a grandeza que é a formação de homens e mulheres livres e uma democracia forte, onde todos tenham direitos iguais e a justiça seja de igual calibre para todos.
A pandemia, enquanto tragédia que se abateu sobre todos, embora não compreendida dessa forma pela grande maioria, nos coloca a possibilidade de repensar nossas atitudes individuais e coletivas, nos mostrando que quando insistimos em caminhar pelo mesmo caminho e não conseguimos chegar onde queremos, é preciso refazer o caminho.
A reinvenção da sociedade é necessária e não se fará sem a reinvenção da educação, que não acontecerá de cima para baixo, nem da cabeça de algumas pessoas “iluminadas”. É fundamental que aconteça no micro espaço que é a escola, a família e no município, que é a célula base da federação brasileira. Não precisa de nova legislação.
Porém, é necessário que se tenha os recursos bem aplicados, espaços escolares dignos bem estruturados ao trabalho dos professores. Mas, sobretudo, é preciso valorizar o trabalho que gera ensino e aprendizagem, a formação sistemática dos que fazem a escola, o desenvolvimento da pesquisa com as crianças forjando o rumo de suas experiências através das quais desenvolvem o raciocínio, o pensamento, a formulação do novo conhecimento.
Após a pandemia o cenário educacional no país será ainda mais desafiador.
Por tudo isso tenho a impressão que as escolas deveriam ser o último segmento a ser fechado neste momento de pandemia e que deveríamos imediatamente dotá-las de condições físicas e capacidade técnica para o desenvolvimento de suas atividades. Professores deveriam entrar imediatamente nos grupos prioritários para vacinação. Ainda não podemos afirmar sobre os impactos do fechamento das escolas para a economia para os próximos anos, mas podemos afirmar com certeza que haverá retardamento no desenvolvimento das mentes pensantes que fazem a economia funcionar.
Além de tudo, é preciso e urgente enfrentar as desigualdades no âmbito das escolas, enquanto reflexo das desigualdades sociais nas comunidades. Fatores que prejudicam os alunos como evasão e reprovação são decorrentes dessas mazelas instituídas pelo modelo socioeconômico que nos governa durante muitos anos.
Por isso precisamos redefinir agora os caminhos da educação, aprendendo sobretudo com os erros das políticas até então implantadas.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: avozdaserra.com.br