Pesadelo do dia da foto

Por

Amarilis Costa*

Em 24.04.2021

O racismo nos encontra ainda crianças, é praticado por adultos que convidam as demais crianças ao mesmo comportamento.

Esse foi o fatídico dia da foto na terceira série do primário. Eu estudava da FIEB, em Alphaville/Barueri, era uma das poucas crianças pretas da escola.

Comumente mal tratada, principalmente pelas professoras que me constrangiam e estimulavam e ensinavam as outras crianças à prática do cruel racismo. Não ande com ela, não abrace ela, não dê bola. Sente-se ali, deixa ela para lá.

Especificamente neste dia a professora enfileirou todas as crianças para a famigerada foto.

Empunhando uma escova, vinha afagando e penteando todos aqueles cabelos lisos e levemente encaracolados. Ao escovar os cabelos tipo tijela dos garotos dava beijinhos em suas cabeças. Quando ajeitava as longas madeixas das meninas, disparava elogios sucessivos.

Eis que chega a vez dessa que vos fala, apelidada de peste pela profissional da pedagogia que conduzia os trabalhos, obviamente com cara de nojo e desdém bateu com a escova em um de meus ombros e informou que: Não era paga para colocar a mão nesses cabelos, que não colocaria a mão ali. Que tem criança que não adianta arrumar.

Lembro de ter sentido ódio, inaugurei esse sentimento naquela escola por aquelas professoras e crianças.

Minha boca de criança ficou amarga e eu sentia a barriga doer como quem toma um gancho na boca do estômago.

Odiei e ainda odeio.

O fotógrafo me disse que só faria a foto se eu lhe desse um sorriso. Essa expressão de dor e dentes para fora foi o que eu consegui chamar de sorriso naquele dia.

Pois bem, ao chegar em casa tratei de colocar o pente quente ao lado do fogão e pedi pra minha mãe dar um jeito no meu cabelo porque não tinha condições de ir pra aquela escola com o cabelo trançado.

Eu tinha oito anos, oito anos.

Pessoas pretas sofrem toda sorte de violência: Simbólica, Estrutural, Moral , Física e por ultimo a violência letal.

A violência letal mata os nossos corpos, as demais aniquilam as nossas almas diariamente.

Escrevo esse texto diretamente de um lugar onde olharam para minhas tranças, perguntaram se eu sou mesmo Advogada.”

*Amarilis Costa é advogada.

Artigo publicado originalmente no portal Cada Muinuto.

Este não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.