Todos passarão…
Mirtes Cordeiro*
Em 03.05.2021
A Fundação Lemann apresentou os resultados da quarta onda de pesquisa encomendada ao DataFolha, desta vez com abrangência Nacional. O estudo ouviu 1.021 pais ou responsáveis de estudantes das redes públicas municipais e estaduais, com idade entre 06 e 18 anos, no período de 16 de setembro a 02 de outubro. Tenta a pesquisa mapear as dificuldades enfrentadas pelos estudantes em relação ao acesso, as rotinas e a motivação durante o ensino remoto, e identificar percepções dos responsáveis sobre a qualidade do apoio das escolas, a evolução nos estudos, as possibilidades de abandono, assim como os desafios no acompanhamento da rotina de aprendizagem em casa.
As pesquisas anteriores foram realizadas nos meses de maio, junho e julho.
Dados indicam que as famílias se aproximaram mais da educação e acompanharam o aprendizado dos filhos. E que as escolas se preocuparam em oferecer o ensino remoto com a efetiva participação dos professores que permaneceram trabalhando, apesar do fechamento das escolas, e que alunos recebiam em suas residências as atividades elaboradas através da internet.
Segundo os resultados, o estudo educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias apontou que 51% dos responsáveis consideram que estão participando mais da educação dos estudantes, no período da pandemia, sendo 58% na região Sul e 57% no Centro-Oeste. Este índice aumenta entre os responsáveis com maior escolaridade. E 72% responderam que se sentem mais responsáveis durante a pandemia, pela educação dos filhos, do que antes dela. O levantamento aponta também “que 71% dos responsáveis pelos estudantes estão valorizando mais o trabalho desenvolvido pelos professores e 94% consideram muito importante que os docentes estejam disponíveis para correção de atividades e esclarecimento de dúvidas durante as aulas não presenciais”. (Fundação Lemann)
Com relação à aprendizagem, 64% consideram que as aulas não presenciais foram eficientes no aprendizado dos estudantes, enquanto 36% afirmam que não foram eficientes.
Houve um crescimento na oferta de atividades aos alunos durante o ano de 2020, sendo que as regiões Norte e Nordeste apresentaram menor percentual.
Com relação aos estudantes, os mesmos se sentiram menos motivados para realizar as atividades em casa. Na pesquisa de maio/2020, 46% se sentiam desmotivados, agora são 54%. Muitos apresentaram dificuldades para manter uma rotina de aprendizagem em casa. De 58% para 65% de maio a setembro, chegando a 69% nos anos iniciais. Também para 28%, o relacionamento em casa piorou após o início das atividades remotas, contra 21% em maio; nos anos iniciais esse índice é de 30%. E o medo de abandonar a escola se manteve como em maio, em 30%, depois de ter chegado a 38% na edição anterior da pesquisa, em julho.
Como forma de combater os efeitos da contaminação pelo coronavírus, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico espalhadas pelo Brasil, desde março de 2020, conforme dados do último censo escolar divulgado pelo Inep (2019).
A pesquisa da Fundação Lemann/Data Folha, realizada em quatro momentos, também apresentou situações que vão além da educação e dizem respeito à vida das famílias.
O principal problema, sem dúvida foi a queda da renda familiar e sua repercussão no consumo dos alimentos, no pagamento do aluguel, na compra do gás de cozinha, no consumo de energia e água potável, considerados itens caros no orçamento familiar. O fechamento das escolas retirou a alimentação dos alunos, uma questão fundamental para grande número de famílias que já se encontravam na linha de pobreza.
No Nordeste a renda familiar diminuiu em 42%.
A pandemia vai ter como resultado na educação o afastamento de crianças e adolescentes do ensino básico, o que aprofundará o desanimo nos alunos, nas famílias e levará a maior evasão escolar. O distanciamento de crianças e jovens da escola apressará cada vez mais os passos que conduzem o país a situação de desigualdade diante do mundo. E tornará a desigualdade interna mais profunda entre pobres e ricos.
Ainda não temos dados palpáveis sobre a aprendizagem através do ensino remoto e improvisado com a pandemia, mas considerando que mais de 40% das famílias não dispõem de internet e de infraestrutura familiar para oferecer aos alunos, certamente haverá um recuo significativo nos índices de aprendizagem, o que torna a nossa situação mais difícil. Para as crianças, seu desenvolvimento e para o país, enquanto nação.
Em pesquisa realizada em São Paulo, a Fundação Carlos Chagas registra “sobre sua percepção da aprendizagem dos estudantes relacionada à educação mediada por tecnologia em comparação à presencial, eles(as): 85% dos respondentes acreditam que os estudantes aprendem um pouco ou muito menos por meio da educação mediada por tecnologia”.
Acrescenta que “a desigualdade de acesso às aulas, o desinteresse dos estudantes, as dificuldades relacionadas à tecnologia e a insegurança sobre as mudanças são apenas alguns fatores que podem afetar na percepção de aprendizagem reduzida dos estudantes”.
Com relação às redes municipais, segundo a UNDIME, reunindo dados de 3.672 secretarias municipais de Educação (dois terços dos municípios do país), o estudo apoiado pelo UNICEF e Itaú Social mostra que 91,9% delas funcionaram apenas por meio de ensino remoto, enquanto 8,1% adotaram o ensino híbrido (atividades presenciais e não presenciais).
“No ensino remoto, as redes municipais se valeram preponderantemente de material impresso (95,3% das redes municipais) e WhatsApp (92,9%) − a terceira opção mais citada foram as videoaulas gravadas (61,3%). Em quarto lugar, aparecem as orientações on-line por meio de aplicativos (54%). Já estratégias como as plataformas educacionais (22,5%) e as videoaulas on-line ao vivo foram mencionadas por apenas 22,5% e 21,3% dos municípios respectivamente”. (UNDIME)
Isso mostra que, independentemente da boa vontade e esforço dos professores, haverá uma fragilidade no processo de aprendizagem do aluno, considerando-se as defasagens anteriormente existentes, a ruptura abrupta com o processo presencial, as relações entre professor e aluno, entre os alunos, as trocas de experiência, o espírito crítico desenvolvido coletivamente, e sobretudo o isolamento ao qual os alunos estão submetidos, muitos há mais de um ano e a falta de instrumentos que facilitem a utilização do conteúdo oferecido, mesmo através de material impresso.
Em contato com algumas avós que cuidam dos netos nessa história toda, para que as mães possam se movimentar pela sobrevivência, a gente escuta sobre o que acontece: Não há espaço para guardar o material; não há uma mesa sequer para apoiar o material e poder escrever; crianças menores usaram as fichas escolares para brincadeiras; os adultos fizeram rascunho… e por aí vai.
Além disso, na educação infantil e no ensino fundamental – do 1º ao 5º ano -, mesmo com instrumentos adequados, as crianças não conseguem trabalhar sozinhas. Elas precisam de acompanhamento e orientação. Não é possível pensar que uma criança de seis anos vai ficar diante de um computador durante quatro horas, com pequeno intervalo, mesmo que na tela tenha um professor ou professora com boa didática e bons conteúdos.
Os Municípios que detêm mais da metade das matrículas no ensino básico, sobretudo na educação infantil e ensino fundamental, têm grande responsabilidade na condução do processo de renovação da escola. O uso de tecnologia no processo de aprendizagem durante os anos iniciais, é terreno quase desconhecido. Assim como a formação dos professores.
Seguimos hoje com mais de 406.000 vidas que “se encantaram” por força do vírus e da incompetência com a qual a pandemia foi enfrentada. Digo melhor: pelo governo federal não houve sequer uma campanha de prevenção. O que houve a negação ao isolamento social, a negação à produção e compra de vacinas, mesmo referente às produzidas por Institutos brasileiros, como o Butantã e a FIOCRUZ, e nenhuma preocupação com políticas públicas como a educação e saúde.
Continua o deboche público e mesquinho com relação à vida e ao sofrimento das pessoas, com ameaças arrogantes de que colocará o Exército em marcha autoritária para satisfazer seus delírios autoritários. Na verdade, não consegue fazer o que imagina e fala, mas intimida a população.
Houve e há também a grande preocupação em mandar a força de trabalho de qualquer forma, amparada por um mísero auxilio emergencial de R$ 150,00, para o contágio, porque acredita que “todos morrerão um dia”, e que “vidas longas são prejudiciais ao orçamento do País”.
Observemos, então, o que diz Mário Quintana no seu Poeminha do Contra:
“Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho”!
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Internet
.