Um brinde a Zé Almir

Por
Carlos Sinésio*
Em 04.06.2021

Quando soube, na tarde de ontem, que o amigo jornalista José Almir Borges, de 75 anos, havia nos deixado, senti uma pancada no coração, quase nem acreditei. Pra mim, Zé Almir é daquelas pessoas imortais, mesmo sem pertencer a nenhuma academia de intelectuais. Não precisaria.

A academia dele sempre foi a da vida, da simplicidade, da humildade, do trabalho, do companheirismo, da amizade sincera, da mesa de bar, da roda de boas conversas, sem maiores formalidades, mesmo tendo ocupado importantes cargos. Ele, com suas histórias maravilhosas e divertidas, jamais morrerá para os amigos e familiares. Digo isso sem qualquer favor. Quem com Zé conviveu ou o conheceu sabe exatamente disso.

Zé Almir veio de Colinas, no interior do Maranhão, ainda rapaz. Aqui fixou residência, estudou, se profissionalizou, constituiu família e fez sucesso no jornalismo e nos clubes sociais dos bairros, que conheceu como poucos. A boêmia sempre foi sua companheira enquanto a saúde permitiu. As atividades que desenvolveu em redações de jornais, no extinto Bandepe e em assessorias de comunicação o tornaram conhecido e amigo de muita gente boa. De pessoas muito simples até gente graúda, das altas rodas da sociedade.

Fomos amigos muito próximos durante mais de três décadas, apesar dos 20 anos de idade que nos separavam. Tão próximos que fomos confidentes um do outro em muitos, muitos momentos. Infelizmente, nos últimos anos, devido às minhas atividades profissionais e aos problemas de saúde dele, não tivemos uma convivência próxima. Mas eu sempre procurava e obtinha notícias dele através de amigos em comum, como o jornalista Gilson Oliveira.

Conheci Zé Almir quando iniciei no jornalismo no início dos anos 1980 e ele era secretário de Imprensa de Pernambuco, na gestão do governador Roberto Magalhães. Eu trabalhava no Jornal do Commercio, e ele também escrevia a coluna social dos bairros, onde noticiava tudo o quanto era festa que acontecia nas periferias do Grande Recife. Usava como pseudônimo a sigla JAB, de José Almir Borges, para “disfarçar” e ninguém desconfiar que o secretário de Estado assinava a coluna popular, onde sempre publicava fotos de moças de biquíni ou maiô, bem à vontade.

A partir de então, fomos nos aproximando. Mas foi no início dos anos 1990, no Governo de Joaquim Francisco, que a nossa amizade se solidificou. A convite do amigo e secretário Magno Martins, fui secretário-adjunto de Imprensa por um ano, quando deixei a função para assumir outras atividades dentro e fora do Governo. Naquele período, houve intervenção federal no Bandepe, que pertencia ao Estado, quando dezenas de agências foram fechadas e milhares de funcionários, demitidos. Como eu era adjunto de Imprensa e Zé Almir, assessor do banco, desenvolvemos um trabalho em conjunto por alguns dias. Duros dias.  Depois deixei o cargo, e Zé Almir o assumiu por um tempo.

Alguns anos depois, comprei um terreno em Aldeia, onde meu amigo e outros mais tinham pequenas chácaras. Nos finais de semana, nos reuníamos para bater bons papos e dividir umas cervejas, juntamente com amigos como os jornalistas Gilson Oliveira e Heleno Ramalho, o então juiz e hoje desembargador Bartolomeu Bueno Morais e tantos outros. Muitas vezes, acabávamos tomando uma saideira com deliciosos petiscos no Bar de Seu Dedé, na Estrada de Aldeia. Ô saudade!

Com Zé Almir, frequentei muito o escritório e a casa de praia do então deputado Gilberto Marques Paulo, com quem trabalhei durante dois anos. O escritório, na Ilha do Leite; a casa, em Pau Amarelo. Ambientes de amigos, de bons amigos, pois Dr. Gilberto, também ex-prefeito do Recife, sempre foi um anfitrião de primeiríssima qualidade. Após uma tradicional pelada, era hora de ouvir boas músicas com artistas da qualidade de Henrique Annes. Ou ouvir o cantar e as belas e engraçadíssimas histórias de Gilberto Prado, nosso genial Betoca que nos deixou no ano passado.

Depois, tivemos a grata oportunidade de trabalhar na Prefeitura do Recife. Convidado pelo prefeito Roberto Magalhães, assumi o cargo de secretário-adjunto de Imprensa, onde permaneci por quatro anos, ao lado de jornalistas como Ângelo Castelo Branco, José Tomaz Filho, Mucíolo Ferreira, José Adalberto Ribeiro e tantos outros nomes competentes e queridos. Naquele período, Zé Almir trabalhou na Csurb, que, entre outras coisas, administrava os mercados públicos da capital. Assim, nosso contato era quase diário, o que fortalecia nossa amizade. Tempos bons e saudosos.

Há uma década, fui diversas vezes me encontrar com Zé na Vila Torres Galvão, em Paulista, onde os pais dele moravam e mantinham uma pequena mercearia-bar. O problema é que eu comia e bebia de graça. Não me permitiam que metesse a mão no bolso para pagar nada, o que me deixava meio encabulado, é verdade. Como, na época, eu morava em Olinda, ficava fácil ir a Paulista para bater papo e brindar com Zé. Era bom.

Vivemos muitas histórias e aventuras juntos. Uma delas foi em 2005, quando adquiri uma pequena propriedade rural em Pesqueira, minha terra natal.  Assim que melhorei a estrutura no local, convidei Zé Almir para ir conhecer o lugar. Fomos no sábado para voltar no domingo. Só retornamos na segunda. Dormimos em rede, pois as camas não haviam sido entregues. Zé amanheceu com a coluna acabada. Falta de costume e de intimidade com redes.

José Almir Borges no sítio de Carlos Sinésio em Pesqueira. Acervo pessoal de Carlos Sinésio.

Naquele sábado, precisamos recepcionar uma bezerrada que comprei no mesmo dia ao meu amigo de infância e homem de negócios Otávio Bezerra do Rego Barros. Os animais só chegaram à noite, mas o desembarque ocorreu tranquilo, o que foi mais um motivo para comemoração. Zé Almir, sem nenhuma prática de vaqueiro ou homem do campo, penou naquele fim de semana para andar em pequenas trilhas. Cansou e tivemos que nos render a umas cervejas geladas para compensar o esforço. Mas não reclamava. Estava adorando viver aquele momento diferente, junto à matutada do sítio.

Certa vez, em Paulista, entre um gole e outro, estávamos contabilizando quantos amigos e conhecidos jornalistas já haviam nos deixado. Fomos lembrando, citando nomes, a lista foi crescendo rapidamente. Quando chegamos em 40 pessoas, decidimos parar.

Ora, de lá pra cá, uma década depois, se pudéssemos fazer uma lista, ela certamente estaria muito, muito maior. Muito triste saber que tanta gente boa já nos deixou. Mais triste ainda, amigo Zé, é eu saber que, se eu fosse fazer a tal lista hoje, infelizmente teria que nela incluir seu nome. Juro que não queria isso.

Agora Zé, só me resta agradecer a sua amizade, pois foi verdadeiramente um privilégio tê-lo como grande amigo. Enquanto você segue em paz e na luz pela missão cumprida, aqui, acompanhados das boas lembranças e da saudade, fazemos um justo brinde a você. Tim-tim, amigo. Descanse em paz!

*Carlos Sinésio é jornalista pesqueirense, 35 anos de profissão, poeta, escritor. Trabalhou no Globo, Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco. Foi assessor de comunicação em instituições públicas e privadas e repórter freelance no jornal O Estado de S. Paulo e na IstoÉ. Atua na TV Alepe.

Foto destaque: José Almir Borges no canto da foto, durante lançamento de livro de Carlos Sinésio. Acervo pessoal de Carlos Sinésio.