A garota do segundo ano
Jénerson Alves*
Em 04.06.2021
Olhos de professor enxergam muito mais do que os alunos imaginam. Quando a Fernanda chegou à sala no segundo semestre, percebi a face ruborizada do Luís. Eu era professor de Língua Portuguesa do segundo ano do Ensino Médio de um colégio particular. O Luís era um bom menino, mas um estudante mediano. Estou usando um pleonasmo. Ele era ruim. Péssimo. Não de comportamento, mas de rendimento. Pelo menos na minha disciplina. Escrevia mal, tinha dificuldade de compreender os textos. Era muito esforçado. Todavia, nem sempre esforço significa sucesso.
Pois bem. Quanto mais o tempo passava, mais era possível ver que ele ficou apaixonado pela novata. Ela, ao contrário dele, era amante das letras. Lia Machado de Assis, Shakespeare, Camões, Quental… Redigia dissertações impecáveis, tinha um excelente domínio da Gramática. Inclusive, a paixão dela não era apenas pela Língua Portuguesa, ela parecia ter um amor gramatical. “Será inglório alguém tentar me conquistar sem devidamente respeitar a Última Flor do Lácio”, repetia.
Como o Luís não se debruçara sobre a obra de Olavo Bilac, sequer imaginava o significado da antonomásia ‘Última Flor do Lácio’. Carinhosamente, durante o intervalo, entrou sorrateiramente na classe e pôs uma flor na carteira da Fernanda, com um singelo bilhete: “Gosto muinto de você. A gente pode se vê mastarde?”
Como eu sei o conteúdo do bilhete? Ela parou a aula para lê-lo! Soletrou cada palavra. Zombou de cada erro. Disse que não queria conversa com quem agride tanto a Língua Portuguesa.
Pobre Luís! Recolhido em seu canto, envergonhado, mas sentindo as chamas da paixão, decidiu que se tornaria o melhor aluno da turma em Português.
E assim fez. Passou os dias mergulhado nas letras. Aprofundou-se na temática da Reforma Ortográfica. Decorou trechos dos sermões do padre Antônio Vieira. Até o senso de humor se modificou! Ria-se com os neologismos de Castro Lopes, fazia piadas em forma de trocadilhos…
Enfim, o ano letivo já estava quase acabando, mas o amor de Luís por Fernanda parecia infindo. Mais uma vez, tomou coragem. Desta vez, não apenas para escrever, mas para falar. Ao término da última aula da sexta-feira, deteve-a e abriu o coração.
Ela o olhou de cima a baixo e disse:
– Confesso que fico encantada com o seu modo de falar e com seu conhecimento da língua. Porém, meu coração não palpita quando o vejo. Não me agrada mirar seu talhe franzino e sua face sem simetria.
Pobre Luís!
Gramática não é tudo.
Essa é uma lição muito dura para aprender quando se está no segundo ano do Ensino Médio.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Engin Akyurt/Pixabay