Hora de acabar com o trabalho infantil

Por

Vinícius Pinheiro*

Em 11.06.2021

A exploração do trabalho infantil está à vista de todos nós, nas ruas das cidades, no comércio e serviços, principalmente os informais, nas áreas rurais, em especial na agricultura.

Há pouco mais de um ano, a crise deflagrada pela pandemia da COVID-19 atingiu o mundo do trabalho e causou efeitos devastadores sobre o emprego e a renda das famílias globalmente. O golpe impactou com mais força as pessoas que já se encontravam em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O aumento da pobreza aliada ao fechamento de escolas potencialmente agravou a situação do trabalho infantil.

Esse cenário carrega um potencial retrocesso de décadas nos esforços globais para a erradicação do trabalho infantil, que, em muitos casos, é causa e efeito da pobreza e ameaça o não cumprimento da meta da agenda 2030.

A pobreza faz com que os filhos de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica tenham reduzidas suas oportunidades de desenvolvimento na infância e adolescência. Ao atingirem a vida adulta, tornam-se, majoritariamente, trabalhadores com baixa escolaridade e qualificação, sujeitos a menores salários e vulneráveis a empregos em condições degradantes, perpetuando um círculo vicioso de pobreza. Um ciclo que afeta o desenvolvimento sustentável de qualquer nação.

Dados divulgados essa semana em um novo relatório elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) confirmam um cenário preocupante: pela primeira vez, em 20 anos, houve uma estagnação na redução do número de crianças em situação de trabalho infantil.

Quase 100 milhões de crianças foram retiradas do trabalho infantil em todo mundo, reduzindo o número de 246 milhões, em 2000, para 152 milhões em 2016. No Brasil, 1,8 milhão de crianças estavam em situação de trabalho infantil em 2019, segundo dados do IBGE.

As estatísticas mais recentes indicam que, no início de 2020, 160 milhões de crianças estavam em situação de trabalho infantil globalmente – um aumento de 8,4 milhões de crianças desde 2016. Isso equivale a quase 1 em cada 10 crianças em todo o mundo. Setenta e nove milhões de crianças – quase metade de todas as crianças em trabalho infantil – realizavam trabalhos perigosos que colocam em risco sua saúde, segurança e desenvolvimento moral e psicológico.

Esses dados foram anteriores à crise pandêmica e ainda assim preocupantes. Começamos 2021, o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil com um alerta e um chamado urgente para reiterar o compromisso e a determinação de multiplicar os recursos para agir agora em uma escala sem precedentes.

A crise fomentada pela COVID-19 ameaça prejudicar ainda mais o progresso global contra o trabalho infantil, a menos que medidas urgentes de mitigação sejam tomadas. De acordo ao citado relatório, uma simulação sugere que mais 8,9 milhões de crianças estarão em situação de trabalho infantil no mundo até o final de 2022, como resultado do aumento da pobreza causado pela pandemia, se não forem tomadas as medidas de proteção e geração de trabalho decente.

Erradicar o trabalho infantil no século XXI não é uma batalha solitária, mas uma meta compartilhada. É um somatório de atuações decisivas e articuladas entre governos, organizações de trabalhadores e empregadores e a sociedade civil para que possamos avançar – e não retroceder – na prevenção e eliminação do trabalho infantil. A OIT defende a adoção de ações, baseadas no diálogo social e que reúnam todos os atores públicos e privados envolvidos na resposta à persistência do trabalho infantil, que devem incluir medidas nas áreas de proteção social, educação, promoção do trabalho decente para os pais e mães e melhoria na capacidade de fiscalização do trabalho.

A maior parte do trabalho infantil continua a ocorrer na agricultura. Os números globais indicam que mais de 70% de todas as crianças em situação de trabalho infantil, 112 milhões no total, estão na agricultura. Muitas dessas crianças são mais novas, o que destaca a agricultura como potencial porta de entrada para o trabalho infantil. Mais de três quartos de todas as crianças de 5 a 11 anos estão trabalho infantil na agricultura. Por isso, além da implementação das políticas públicas nas cidades, é crucial a formulação de programas adaptados ao contexto das zonas rurais e a geração de oportunidade de trabalho protegido e de aprendizagem para os jovens em idade permitida para o trabalho, além do fomento ao trabalho decente para as pessoas adultas.

Para empresas e trabalhadores, combater os riscos do trabalho infantil nas cadeias de suprimentos nacionais e globais continua a ser importante para um desenvolvimento sustentado, sustentável e inclusivo. Um olhar atento deve ser voltado para as micro e pequenas empresas que operam nas camadas mais baixas das cadeias de suprimento, e onde o trabalho infantil e outros riscos aos direitos humanos costumam ser mais pronunciados. A crise da COVID-19 fortaleceu necessidade de cooperação internacional para superar os desafios globais. Isso vale tanto para a erradicação do trabalho infantil quanto para outras prioridades críticas de desenvolvimento da Agenda 2030. Os países devem trabalhar juntos dentro do espírito da Convenção No. 182 sobre proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, ratificada universalmente.

O mundo do trabalho é uma arena onde se decide o futuro de milhões de crianças e adolescentes. A hora de agir contra o trabalho infantil é agora. Fizemos uma promessa às crianças de erradicar o trabalho infantil até 2025. Não há mais tempo a perder.

*Vinícius Pinheiro, diretor regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para América Latina e Caribe.

Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: Kamuran Feyizoglu/UNICEF – A maior parte do trabalho infantil continua a ocorrer na agricultura. 70% de todas as crianças em situação de trabalho infantil, 112 milhões no total, estão neste setor