Camões e Dinamene
Jénerson Alves*
Em 11.06.2021
Pensar sobre a vida de Camões é mergulhar em um oceano de interrogações. O maior poeta da língua portuguesa teria nascido em 1524 (ou 1525), possivelmente em Lisboa – ou Coimbra, ou Santarém, ou Alenquer. Inquestionavelmente talentoso e culto, bebeu na fonte de Homero, Ovídio, Virgílio e outros. Baseado na filosofia neoplatônica, sintetiza a Renascença. Ao mesmo tempo devasso e amante, boêmio e espiritual.
Entre os tópicos que mais provocam debates e conjecturas da biografia camoniana, está a figura de Dinamene. Conta-se que, quando estava exilado em Macau, exercendo o cargo de Provedor de Defuntos e Ausentes, conheceu uma jovem chinesa de olhos verdes chamada Tin Nam Men. O poeta a chamava de Dinamene como alusão a uma das ninfas da Ilíada de Homero. Reza a lenda que, em uma viagem à Índia, o navio onde o casal estava naufragou próximo à margem do rio Mekong (perto do atual Camboja). Neste momento, Camões teve de escolher entre salvar a sua amada ou os manuscritos de ‘Os Lusíadas’. Como hoje temos acesso à maior epopeia portuguesa, não é muito difícil inferir qual teria sido a opção do poeta.
Se assim ocorrera, percebe-se que ele teria se arrependido amargamente, tendo em vista que há na lírica camoniana o denominado ‘ciclo de Dinamene’, uma série de sonetos dedicados à amada que o mar levara. Um desses sonetos seria o famoso ‘Alma minha gentil que te partiste…” (o qual, também poderia ter sido dedicado a Catarina de Ataíde, uma dama da rainha por quem teria se apaixonado). Em outra obra, ‘Quando de minhas mágoas…’, revela um sentimento de rápida alegria e perene tristeza, ao avistar a amada em um sonho: “(…) eu, gritando: Dina… / antes que diga mene, acordo, e vejo / que nem um breve engano posso ter”. Já em “Ah! Minha Dinamene…”, traduz sua angústia, “Ó mar, ó Céu, ó minha escura sorte!”.
Em meio aos lamentos e dramas, o poeta reflete sobre o Amor e a falta de razão na vida. É uma sede de infinito, explícita nos versos de ‘Sôbolos rios que vão’, mas constante na presença irremediável da morte da amada. Assim, não decanta o poeta somente um amor particular, mas o “fogo que arde sem se ver” na condição humana. Ler Camões é mergulhar nos mistérios do Amor e encontrar-se com a Beleza.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Foto destaque: Copiada da página JPH tour-guide (Facebook).