Refletindo sobre a Escola Pública
Mirtes Cordeiro*
Em 14.06.2021
“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
Paulo Freire
A Escola Pública deveria ter o seu lugar especial no seio das políticas públicas, porque tem uma função social de grande importância para a sociedade, sendo responsável pela formação dos alunos, assegurando a todos os conhecimentos sistematizados e produzidos no decorrer do tempo de vida dos seres humanos, em que as relações sociais têm se manifestado ao longo de alguns séculos, no decorrer da história da humanidade.
A escola trabalha com o ser humano – o aluno -, com o conhecimento, os conteúdos e com uma prática permanente de reelaboração de suas ações para que se busque as transformações necessárias à sociedade, por meio de um currículo construído a partir do contexto histórico e social.
A escola desenvolve suas ações de forma coletiva, possibilitando a inclusão dos alunos ao processo de aprendizagem, acatando as suas experiências de vida na família e na comunidade e estimulando a compreensão sobre as dimensões pessoais, sociais e culturais de cada sujeito.
É o que muitos desejam, mas não é sempre o que acontece.
Pode-se afirmar que a diferença entre educação escolar e a educação que ocorre nos mais diversos espaços está na forma de sua organização. A escola cumpre um programa formal, específico e intencional, enquanto que as demais organizações cumprem um papel educacional de maneira informal. É o que aponta Vera Lúcia e Janaína Aparecida, in “A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA PÚBLICA: A ESPECIFICIDADE DO TRABALHO NA SALA DE AULA”.
Muito já se tem escrito e ouvido falar sobre a necessidade de se ter uma boa escola pública com qualidade e que atenda as necessidades de todos os brasileiros que dela necessitam. Mas, cada dia está mais difícil que crianças e jovens pobres consigam ter acesso à escola, nela permanecer e trilhar o caminho da aprendizagem com sucesso.
A democratização do acesso à educação no Brasil teve início na década de 30 do século passado, através da escola pública, quando o país foi alertado pelo Movimento dos Pioneiros da Educação. Na verdade, se reivindicava à época, o acesso à instrução, considerando que estando o país em pleno desenvolvimento industrial, era necessário que trabalhadores fossem instruídos para participação no processo de industrialização e urbanização.
Durante décadas a escola pública no Brasil tem passado por várias fases, sempre amparada por conceitos que variam de acordo com a interpretação do momento histórico e social e o poder político de plantão.
Enquanto espaço de difusão de conhecimento e de certa forma reconhecida como espaço também de socialização e produção de novos conhecimentos através de sua diversidade cultural e do efeito do contraditório, a escola pública garantiu sua função à população, como direito de cidadania com a Constituição de 1988.
E 1996, a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) definiu que a função da educação é garantir o pleno desenvolvimento humano dos educandos. Já se foram 25 anos.
De lá para cá, comemoramos no início deste século o fato de termos conseguido avançar no processo de universalização de matriculas de crianças com idade entre 7 e 14 anos, no ensino básico. No entanto, não conseguimos evitar a repetência dos alunos nas séries cursadas e a evasão da escola.
Nem sequer garantimos um bom processo de aprendizagem.
No entanto, há uma necessidade presente na sociedade moderna, contemporânea, tecnológica, que é preciso avançar cada vez mais na busca do conhecimento, da aprendizagem, e que para isso a escola pública deve ter a atenção de toda a sociedade, para renovar as suas formas de ensinar e para interagir com outras políticas públicas que lhes possam dar o suporte, como segurança alimentar, moradia e renda.
Revendo uma entrevista com Miguel Arroyo, quando secretário de Educação em Belo Horizonte (MG), ele diz o seguinte: “A escola tem que se preocupar com a formação plena dos educandos, sobretudo aquelas infâncias e adolescências que a sociedade trata de maneira tão injusta, tão dura, tão cruel, aqueles a quem se nega a sua possibilidade de ser criança, de ser adolescente.”
O Ministério da Educação tem definido suas políticas educacionais com base em avaliações da aprendizagem dos alunos, mas ainda é muito baixo o índice médio para o país, 5,9 ensino fundamental e 4,2 ensino médio. (IDEB 2019)
O SAEB foi criado em 1990 e o IDEB em 2007. São dois sistemas que integram dados que possibilitam diagnósticos sobre os sistemas estaduais, municipais e escolas, e são acessados através do IBGE e INEP/MEC.
E Arroyo continua a externar o seu pensamento com base na sua experiência de educador: “Vamos articular a escola e a família com a polícia, com o clube, com a escola de samba, com o centro cultural… e até com os grupos de delinquentes. A ideia que surge é: quem vai dar conta dessa infância que a sociedade destrói? Tem que ser a própria sociedade”
Ainda hoje há razão no que ele falava. A escola sozinha não consegue resolver os seus problemas, porque as raízes dos problemas não surgem na escola. Reconhecendo isso foi que os legisladores consignaram a responsabilidade pela educação na Constituição Brasileira, no seu artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Estou refletindo sobre a função da escola pública e a sua importância para a sociedade, porque no meio da pandemia, com tantas notícias tristes, surgem na mídia informações sobre a entrada de alunos na USP constando nos seus relatos que “Neste ano, o percentual de novos alunos que vieram de colégios da rede pública chegou a 47,8% e a meta é alcançar 50% no ano que vem. A mudança de perfil já é sentida nos corredores da universidade, mas, se houve aumento de oportunidades, cresce também a demanda por apoio à permanência. No contexto de crise econômica e sanitária provocada pela pandemia, dificuldades de acesso aos estudos e pressão para trabalhar elevam o risco de evasão dos alunos e de aumento das desigualdades.”
“A reserva de vagas aumentou também a participação de alunos de baixa renda. Aqueles com renda familiar mensal de até três salários mínimos passaram de 15,6% dos calouros em 2011 para 29,7% neste ano”. (Folha de São Paulo/05-06)
Este é um fato que deixa em nós um raio de felicidade. É possível! Foi através de um planejamento de adoção de um programa de cotas que contribuiu para que a universidade fizesse a diferença no atendimento, garantindo indicadores de igualdade ante as diferenças.
As escolas públicas no Brasil recebem crianças e jovens que desejam e têm direito a ler, escrever, aprender sobre história, geografia, matemática, mas precisam de muito mais. Precisam ser reconhecidos como cidadãos, sujeitos de direitos.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: brasildefatope.com.br