O tempo de cada um de nós
Enildo Luiz Gouveia*
Em 17.06.2021
Quando criança e também adolescente havia em mim certa expectativa para a chegada do dia do meu aniversário (17/06). A única data que realmente merece ser comemorada pelas pessoas, pois não está vinculada aos apelos do consumismo. Havia muitos planos futuros e o desejo de me tornar rapidamente independente, dono do próprio nariz. Vejo isto ainda em muitos adolescentes: o desejo de tornar-se adulto rápido. Ah, se soubessem o tamanho do erro que cometem, pensariam diferente.
O tempo, seja lá o que ele for, nos intriga. Imagine que os poetas, filósofos e físicos percam horas tentando defini-lo. Talvez para torná-lo menos hostil a nós mesmos ou por conter a única verdade da qual temos certeza: com o tempo, nós morremos.
Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: a primeira era Kronos (o senhor do tempo que pode ser medido), e a segunda, Kairós (o tempo que não pode ser medido, tempo vivido) mostrando o quanto o tempo inquieta a mente e o coração humano. A crença na vida eterna ou em sucessivas reencarnações revela nosso desejo de subjugar o tempo. Só assim parece que nossa existência ganha qualidade e emoção.
Recentemente o físico italiano Carlo Rovelli disse que o tempo não existe. Isto parece tão absurdo e ao mesmo tempo, tão verdadeiro para os que tentam, como eu, acompanhar as formulações da física quântica e da relatividade. A comprovação de que o tempo passa de forma diferente mostra que o tempo pode ser relativo e o pior, que tudo que achamos que o tempo seja, na verdade possa ser ilusão.
De toda forma, a cada ano somamos mais um tempo em nossas vidas e esperamos (sem grandes expectativas) pelo tempo que possa vir. É o que nos resta, visto que voltar no tempo está fora de cogitação. O buraco de minhoca é tão singular quando o próprio Planeta Terra na vastidão do Universo.
Observamos atordoados as mudanças do dia a dia e do nosso corpo. Como diriam Nando Reis e Arnaldo Antunes “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia… não vou me adaptar”, ou ainda Kell Smith “O ontem passou e o amanhã ainda não é meu”, seguimos na vida com mais incertezas que convicções, mas ainda assim, com planos. No poema Ampulheta (2018), ainda não publicado, eu cravo meu sentimento com relação ao tempo:
“Cada grão que cai da ampulheta,
É mais um fio branco
De cabelo em minha cabeça
(…)
Inverte-se a polaridade
E o tempo segue o curso
Talvez seja isto: retorno
Eterno recomeço de tudo”.
*Enildo Luiz Gouveia é professor, teólogo, poeta, cantor, compositor e membro da Academia Cabense de Letras (ACL).