Sem São João e sem Minervino
Carlos Sinésio*
Em 23.06.2021
Pelo segundo ano consecutivo, a minha Pesqueira, no Agreste pernambucano, não terá festejos juninos por causa da pandemia de Covid-19. Mais triste ainda é que, pela segunda vez desde que eu nasci, há 55 anos, não haverá o Casamento de Matuto a Cavalo de Seu Minervino Osório, nem ao menos a presença do criador desse tradicionalíssimo evento da cultura pesqueirense. Quanta falta fazem os festejos, o casamento matuto, seu Minervino, seus animados cavaleiros!
Em 2020, infelizmente, a Covid não permitiu as festas de Santo Antonio, São João e São Pedro, de tanta tradição no Nordeste. Para muitos, junho é o melhor e mais bonito período do ano, animado com bastante forró, danças e comidas típicas, muitas à base de milho. Sem contar, claro, com o lado religioso que se faz presente nas paróquias e nas casas dos católicos mais devotos dos santos juninos.
Assim, como consequência, também não houve o Casamento de Matuto a Cavalo criado, organizado e comandado pelo ator, músico, compositor, escritor, cavaleiro e folclorista Minervino Osório, como ocorrera nos 53 anos anteriores, de forma ininterrupta. Paciência. Mas, pelo menos no ano passado, neste mesmo período, tínhamos seu Minervino entre nós. Isso dava esperança de que este ano tudo voltaria à normalidade, haveria festas e, claro, o famoso Casamento Matuto que ficou conhecido em todo o Brasil.
Infelizmente, a mesma Covid que fez os festejos serem cancelados também levou nosso amigo Minervino. Pior: a doença também levou a esposa dele e braço direito, dona Adecy, que faleceu cinco dias após o marido nos deixar.
Nosso amigo, que amava tudo o que fazia, faleceu no Recife, na manhã do dia 13 de outubro. Apesar dos seus 94 anos, até antes de ser internado, estava lúcido, era também muito esperto e bem humorado. O Coronavírus não respeita nada disso e passa por cima de tudo como um trator de esteiras. Triste, muito triste. Dói, dói muito.
Apesar das restrições impostas pelas autoridades sanitárias, Pesqueira inteira parou e foi às ruas para reverenciar e prestar a sua última homenagem ao filho adotivo ilustre que tanto amava a Terra do Doce e da Renda Renascença.
Seu Minervino era filho adotivo porque nasceu em Buíque, cidade próxima, de onde saiu aos 15 anos para tentar a sorte e ganhar a vida em Pesqueira. Quando chegou, conseguiu emprego com Dr. Moacyr de Brito, na extinta Fábrica Peixe, onde trabalhou em diversos setores da indústria por décadas até se aposentar.
Como era fã de quadrilhas e gostava das artes em geral (teatro, música, danças…), decidiu criar, em 1966, o Casamento Matuto a Cavalo, que se tornou uma tradição. O evento, que acontecia no dia 23, véspera do dia de São João, cresceu bastante em cinco décadas. Nos últimos anos, reunia cerca de 2 mil cavaleiros, que percorriam várias ruas da cidade. A “cerimônia” terminava geralmente na Praça Dom José Lopes, no centro, em frente à Catedral de Santa Águeda.
Diversas vezes tive o privilégio de assistir ou mesmo participar do evento, sobretudo na infância e na adolescência. Era lindo demais, contagiante pelo clima festivo e pela alegria de seu Minervino e dos cavaleiros vindos de várias cidades da região. Nos últimos anos, mais por motivos profissionais e menos por vontade própria, não assisti a festa organizada por meu amigo, que costumava me convidar. Sim, eu tive esse privilégio, pois tínhamos uma admiração mútua pelas atividades que desenvolvíamos.
Aliás, foi por essa amizade, confiança e respeito que Seu Minervino me escalou para ajudá-lo na elaboração e edição dos seus dois livros de memórias sobre sua vida e Pesqueira. Foi uma honra poder colaborar com ele de alguma forma. Eu me sinto orgulhoso por sua amizade e consideração. Por tudo que ele fez de bom por nossa cultura e pelos seus semelhantes, merece descansar em paz ao lado da amada esposa e outros familiares.
Não teremos São João novamente neste ano. Não teremos o tradicional Casamento Matuto criado por Seu Minervino. Não há o que fazer, a não ser aceitarmos essa imposição da terrível Covid-19. Mas temos fé que tudo vai passar em breve. Isso nos dá força e renova a esperança em melhores dias. Confiemos na vitória final. Apesar de tantas baixas nas listas de pessoas queridas, continuamos firmes, porque a vida tem que continuar.
Com as bênçãos de Deus, de Santo Antonio, de São João e de São Pedro, 2022 será muito melhor pra todos nós. Haverá os festejos juninos. E quem sabe se Seu Minervino, lá de cima, não ajuda para termos de volta o Casamento Matuto a Cavalo? Acredite: a vida continua e a alegria não pode dar lugar à tristeza.
Viva Seu Minervino! Viva São João!
Seu Minervino já foi embora
Tudo por aqui ficou diferente
Não há casamento pra gente
Nem o São João de outrora
Não há sela, cavalo, espora
Nem tradição e originalidade
Hoje chora a minha cidade
Sem festa, casamento matuto
Mas quero por um minuto
Sonhar e matar a saudade.
*Carlos Sinésio – Jornalista, pesqueirense, poeta, amigo de Seu Minervino.
Foto destaque: flaviojjardim.com.br
Parabéns, Carlos Sinésio, pelo excelente texto e pela homenagem a seu Minervino e aos festejos de sua Cidade. Também me despertou saudades do meu companheiro João, há três anos sem sua alegria de enfeitar e fazer a maior fogueira da Rua.