Destoante

Por

Jénerson Alves*

Em 02.07.2021

Sentou-se no banco da praça e calmamente abriu o velho livro. Sua figura destoava de todo resto. Pessoas passavam freneticamente, com os olhos vidrados em seus smartphones. Miravam o relógio sem notar a imagem crepuscular que enfeitava o horizonte. O ritmo mimético dos passos parecia ocultar a ópera natural dos pássaros.

Saindo da praça, chegou ao lar e beijou a esposa. Trinta anos de união, com laços que se fortaleciam diariamente. Quanta diferença de uma multidão que se perde em relacionamentos fluídicos! A dissolução que torna a alma pastosa corrói relações e fragmenta o ser. O som do ‘eu’ parece impedir o florescer da canção do ‘nós’.

Servido o jantar, fechou os olhos e agradeceu ao Pai. Tão diferente da relação que muitos têm com os alimentos! Ora empanturram-se com a plasticidade do ‘fast food’, ora ingerem um ‘fitness’ industrialmente processado. Aquele que conhece Quem alimenta as aves dos céus também tem certeza do seu valor.

E quem é este que lê na praça, volta ao lar e senta-se à mesa?

Aquele que não esquece as palavras do gênio da Tábua de Cebes. Aquele que, como o Peregrino de Bunyan, percorre no caminho estreito. Aquele que, à semelhança de Frost, escolhe a estrada menos trilhada.

Cringe? Talvez a sociedade o chame desta forma. Ele, todavia, prefere ouvir a Voz que preenche o seu interior a seguir a cegueira do bando.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Foto destaque: Pexels/Pixabay