A volta às escolas
Mirtes Cordeiro*
Em 26.07.2021
O Brasil já não suporta a desigualdade que se abate sobre sua população com tanta persistência. É preciso percorrer um longo caminho de correção das políticas públicas para se criar um ambiente de oportunidades para todos.
Quase dois anos de pandemia, com muitos prejuízos para a vida das pessoas pelo mundo inteiro. No Brasil, a questão maior, a morte de mais de 540 mil pessoas até então, motivadas sobretudo pela forma irresponsável como se deu o enfrentamento à doença pelo Ministério da Saúde.
Escolas do ensino básico, creches e universidades públicas e privadas foram fechadas como forma de diminuir a transmissão do novo coronavírus. Para crianças e jovens, a ausência presencial se transformou numa grande perda, considerando que a grande maioria teve seu processo de aprendizagem bastante prejudicado – principalmente os mais vulneráveis – apesar dos esforços e adaptações das instituições de ensino, de professores e alunos.
Ainda não temos como saber no que vai resultar tudo isso. Nem sabemos como os governos municipais, estaduais e federal estão planejando o novo rumo do processo de aprendizagem nas escolas neste momento de transição, até que a vacinação se complete para toda a população e possamos adentrar em outro tempo de normalidade.
Sabemos, no entanto, que a maioria das escolas tem dificuldades com a infraestrutura, com a manutenção escolar, com o abastecimento de água e com as condições de higiene, não atendendo, portanto, os protocolos sanitários.
Além do mais, é necessário que todos os professores e funcionários estejam vacinados com as duas doses da vacina contra o vírus.
Na semana que passou vimos que o país tem um ministro da Educação, porque apareceu na televisão em horário nobre, para dizer que se ele tivesse poder, as escolas retornariam com as aulas presenciais. Mas, ressaltou que são os municípios e os estados que têm a responsabilidade. No entanto, não falou nada sobre o ensino superior, nem manifestou nenhuma intenção do MEC, sua pasta, sobre as adequações, formas, metodologias e conteúdos que se fazem necessários ser renovados no novo tempo que se aproxima.
Todos nós sabemos que o retorno às aulas é muito importante, por vários motivos: a socialização, o contato direto com os professores, o trabalho coletivo, a empatia entre alunos e a comunidade escolar e, em última instância, porque a maioria das famílias necessita do apoio da escola também para a proteção dos filhos, enquanto desempenham suas atividades laborais de onde tiram a sua sobrevivência.
As pesquisas realizadas em vários países sobre a volta às aulas apontam alguns caminhos, porém não são conclusivas sobre vários aspectos, sobretudo no que se refere à suscetibilidade de contaminação pelo vírus por crianças e adolescentes.
No entanto, todas se referem aos prejuízos causados, sobretudo para as crianças. Alguns estudiosos afirmam que é certo que se sabe que a paralisação das atividades escolares é especialmente danosa para as crianças durante o processo de alfabetização, a partir dos 5 anos, chamada “fase de ouro” de desenvolvimento do cérebro. Passada essa fase haverá grandes consequências. Resta saber se os perigos assumidos com o retorno das aulas serão maiores do que as perdas de aprendizagem.
Na falta de certezas, deve-se apelar para o bom senso e para o planejamento que permita corrigir as falhas no momento certo.
A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), com apoio do Itaú Social e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), desenvolveu pesquisa com a participação de 3.355 municípios, que representam 60,2% dos Municípios brasileiros, sobre protocolos sanitários contra a COVID-19. O levantamento realizado entre 15 de junho e 09 de julho/2021 apontou que 57% das redes municipais concluíram seus protocolos sanitários contra o covid-19 para o retorno presencial às aulas. Outras 40,4% responderam que esse processo ainda está em construção e 2,6% ainda não iniciaram.
Os municípios pesquisados concentram 13 milhões de alunos do ensino básico.
Neste momento, revela a pesquisa, a principal questão é desenvolver um amplo programa de busca ativa escolar, congregando esforços intersetoriais das instituições em cada município para que todos os alunos voltem às salas de aula. “Com o fechamento prolongado das escolas, milhões de crianças e adolescentes ficaram sem acesso à educação, em especial os mais vulneráveis. Corremos o risco de retroceder 20 anos no acesso à educação no Brasil. É fundamental priorizar ações de busca ativa e ir atrás de cada menina, cada menino que não se manteve aprendendo na pandemia, ou já estava excluído antes dela”, destaca Ítalo, coordenador de Educação do UNICEF para o Brasil.
A presidente do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, considera ser é um ponto positivo a constatação de que a oferta de apoio aos diretores escolares aparece como prioridade nesse momento para as redes. “Para recuperarmos as perdas acumuladas neste período de pandemia e seguirmos de forma consistente nos próximos anos, é fundamental que as secretarias se concentrem cada vez mais em apoiar quem está à frente do trabalho da equipe escolar: o diretor. A qualidade da liderança escolar – e do apoio dado a ela – fará toda a diferença na retomada. Os gestores escolares precisam de recursos e apoio técnico para que consigam realizar um diagnóstico e planejamento adequados; acolher equipes, famílias e estudantes; assim como oferecer o devido acompanhamento aos professores nas atividades cotidianas de ensino e aprendizagem, que serão muito desafiadoras. Para que o País consiga construir uma estratégia nacional, com uma visão de longo prazo, é necessária uma articulação entre governos municipais, estaduais e federal que de fato se volte ao que as equipes escolares e estudantes precisam”.
O presidente da UNDIME, Luiz Miguel Martins Garcia, dirigente municipal de Educação de Sud Mennucci (SP), destaca que neste momento “percebemos que as redes estão trabalhando o acolhimento, a formação de professores, o compartilhamento de boas práticas para apoio aos estudantes com dificuldades. Novamente vimos que a imensa maioria das redes relatou dificuldades de acesso à internet e organizou suas atividades como pôde, dentro das possibilidades de cada local.”
Em entrevista coletiva realizada no dia 15 de setembro, o Diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que “este vírus pode matar crianças, mas as crianças tendem a ter uma infecção mais branda e há poucos casos graves e mortes por Covid-19 entre crianças e adolescentes”.
De janeiro a maio deste ano, o MEC gastou R$ 1,6 milhão em publicidade oficial, mas nenhum tostão para campanhas informativas sobre a segurança da volta às aulas. (agenda Brasil)
É o estilo bolsonarista de governar sem atentar para o que é essencial para a população brasileira.
Vivemos momentos de grandes incertezas no mundo. No Brasil não poderia ser diferente. Crianças e adolescentes fora das escolas por longo período resulta em comprometimento para o seu desenvolvimento pessoal e enfraquece a democracia. Além das escolas, é preciso fortalecer a rede de proteção social, no momento, bem desarticulada.
Tudo feito com a responsabilidade que convém e o esmero necessário à proteção e a vida dos alunos.
O Brasil já não suporta a desigualdade que se abate sobre sua população com tanta persistência. É preciso percorrer um longo caminho de correção das políticas públicas para se criar um ambiente de oportunidades para todos.
Frequentar diariamente uma escola com bons professores ainda é fundamental na vida de qualquer pessoa.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: toledo.pr.gov.br
Excelente.
Grande Campanário, grata!