Manifesto pela reabertura do rio Tatuoca

Por
Camila Carvalho, Luísa Duque e Mariana Maia*
Em 29.07.2021
Há 14 anos existe um rio estrangulado e um manguezal em consequente e gradual morte em Ipojuca, no litoral sul de Pernambuco. Trata-se do rio Tatuoca, que foi bloqueado pela empresa pública SUAPE, em 2007, para dar lugar a uma estrada provisória de acesso ao Estaleiro Atlântico Sul.
Não bastasse a questionável construção de um bloqueio no rio justamente no ponto próximo ao de seu encontro com o mar, o que era para ser provisório e previsto para ser retirado em cerca de um ano e meio “foi ficando” e permanece até hoje, afetando de forma permanente a conexão do manguezal com o mar.
As marés são o principal mecanismo de penetração das águas salinas nos manguezais. A água salobra resultante do equilíbrio entre a água salgada do mar e a água doce do rio, bem como as raízes aéreas das árvores de mangue, criam o ambiente ideal para a reprodução e o desenvolvimento de inúmeras espécies de animais.
Não à toa, o manguezal é considerado o berçário da vida aquática e, por isso mesmo, essencial à pesca artesanal.
O rio Tatuoca e o mangue que o circunda garantem não apenas a segurança e a soberania alimentar, como também a perpetuação dos modos de vida tradicionais e da identidade coletiva das comunidades pesqueiras que dele sobrevivem. Em especial, destaca-se a comunidade quilombola de Ilha de Mercês, cujo território é banhado pelo rio Tatuoca.
Com o barramento, que cortou a ligação natural entre o rio Tatuoca e o mar, a vazão natural das marés restou impedida, desequilibrando fortemente o ecossistema. Isso ocasionou a morte de árvores de mangue e de inúmeras espécies de peixes, moluscos e crustáceos que dependem do fluxo e refluxo natural das marés para sobreviver.
Denúncias acerca do grave dano socioambiental são feitas à agência estadual de meio ambiente – CPRH – e ao Ministério Público Federal desde 2007. A própria CPRH, em Nota Técnica emitida em dezembro de 2007, logo após as denúncias, constatou os graves danos ao mangue decorrentes da obra. Ainda assim, o bloqueio foi mantido – irregularmente – até hoje.
As comunidades pesqueiras são as principais atingidas pelos danos ambientais decorrentes desse barramento. Nesse aspecto, evidencia-se o racismo ambiental e institucional que atravessa o caso, na medida em que a escolha do local para a intervenção recaiu sobre uma região sabidamente habitada e utilizada há gerações por comunidades negras, fazendo-as suportar diretamente os efeitos da degradação ambiental resultante, sem que sequer tivessem sido consultadas previamente ou compensadas por eles.
É nesse sentido que no dia 26 de julho, nos somamos às manifestações do Dia Internacional da Mulher Negra Caribenha e Latinoamericana, do Dia Nacional de Tereza de Benguela – líder quilombola -, e do dia de Nanã Burukê – a orixá guardiã dos manguezais nas religiões de matriz africana – para reivindicar justiça socioambiental e a reabertura total do rio Tatuoca.
A campanha Rios Livres, Mangues Vivos é uma iniciativa do Fórum Suape – Espaço Socioambiental, em parceria com a comunidade quilombola Ilha de Mercês e com o Caranguejo Uçá, para denunciar os danos socioambientais decorrentes da degradação dos rios e manguezais, tomando como mote o caso do rio Tatuoca. A campanha tem como objetivo exaltar a importância dos ecossistemas estuarinos para o meio ambiente e para as comunidades da pesca artesanal, denunciar as ações danosas contra eles e cobrar providências das autoridades competentes.
*Camila Carvalho, Luísa Duque e Mariana Maia – Assessoria Jurídica do Fórum Suape Espaço Socioambiental
Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Foto destaque: Rodrigo Lima – Caranguejo Uçá