100 mil crianças correm risco de morte por desnutrição em Tigray, na Etiópia
Unicef
Em 30.07.2021
Mais de 100 mil crianças na região de Tigray, na Etiópia, podem sofrer de desnutrição aguda severa com risco de vida nos próximos 12 meses, um salto de dez vezes em relação aos níveis anuais médios, disse o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) na sexta-feira (30).
O anúncio ocorreu após o UNICEF alcançar áreas de Tigray que eram anteriormente inacessíveis devido à insegurança ligada a quase nove meses de conflito entre as forças do governo e as forças da Frente de Libertação do Povo Tigray, ou TPLF.
“A crise alimentar e de nutrição em Tigray é causada pelo conflito armado e por isso, só pode ser resolvida pelos lados em confronto. A agência pede às partes que cumpram com a obrigação fundamental de proteger as crianças”, afirmou a porta-voz do UNICEF, Marixie Mercado.
Piores medos – Mercado disse em uma reunião da ONU em Genebra que os piores temores dos trabalhadores humanitários sobre a saúde e o bem-estar das crianças se concretizaram.
As avaliações também indicam que 47% das mulheres grávidas e amamentando sofrem de desnutrição aguda, o que indica que podem enfrentar mais complicações relacionadas à gravidez, um risco aumentado de morte materna durante o parto e o parto de bebês com baixo peso ao nascer, que são muito mais propensos a doenças e morte.
“Precisamos de acesso irrestrito a Tigray e toda a região, a fim de fornecer apoio às crianças e mulheres que precisam com urgência”, disse ela.
Comboio de ajuda se aproximando – Enquanto isso, o porta-voz do Programa Mundial de Alimentos (WFP), Tomson Phiri, disse que um comboio de mais de 200 caminhões estava a caminho de Tigray, mas “esta é uma gota no oceano”. São necessários pelo menos 100 caminhões todos os dias “se quisermos ter uma chance de reverter a situação catastrófica”.
Os dados mais recentes da ONU indicam que os parceiros humanitários alcançaram quase 3,7 milhões de pessoas. Mas a resposta da ajuda foi retardada pelo corte dos serviços de comunicação e cortes generalizados de energia.
Outro desafio é o fato de que a movimentação de equipes de socorro e suprimentos só é possível por meio de uma rota, através da região de Afar, o que requer a passagem por vários postos de controle, onde pessoal humanitário foi interrogado, intimidado e em alguns casos detido, de acordo com o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).
Perigo extremo – O ambiente operacional em Tigray também continua extremamente perigoso, disse o porta-voz Jens Laerke, observando que pelo menos 12 trabalhadores humanitários foram mortos até o momento, incluindo em 24 de junho, quando três funcionários da Médicos Sem Fronteiras foram assassinados.
O financiamento humanitário também continua sendo um grande problema, já que mais de 430 milhões de dólares ainda são necessários para financiar a resposta de ajuda em Tigray até o final do ano.
Em um apelo a todas as partes do conflito, Laerke instou as mesmas a manter as rotas de entrada abertas para Tigray, para evitar a perda de vidas em grande escala. Ele também apelou ao governo da Etiópia para permitir que trabalhadores humanitários tragam equipamentos de comunicação adicionais, também como fornecer vistos mais longos para funcionários de ONGs.
Apelo por acesso – De acordo com o OCHA, 5,2 milhões de pessoas – cerca de 90% da população – precisam agora de assistência humanitária para salvar vidas e centenas de milhares enfrentam condições semelhantes às da fome.
O porta-voz da agência, Jens Laerke, explicou que o conflito em Tigray começou no meio da temporada de colheita em novembro de 2020, quando um quarto das safras já havia sido arruinado por enxames de gafanhotos.
Mais de 90% do que sobrou da colheita foi então saqueado, queimado ou nivelado, tornando essencial que os agricultores recebam agora as ferramentas, assistência e acesso de que precisam para semear suas safras.
Violência sexual – A população de Tigray também está sendo vítima de “terríveis violações de direitos humanos, com estupros servindo de tática de guerra”. Segundo o porta-voz do OCHA, mais de 1,6 mil casos de violência sexual foram reportados desde o início do conflito. Dos 40 hospitais da área, apenas 16 estão funcionando e as sobreviventes ficam sem receber assistência.
Laerke destaca ainda que milhares de pessoas podem ter sido assassinadas, mas não existe uma contagem oficial das vítimas. Cerca de 2 milhões de pessoas estão deslocadas e existe também uma crise de saneamento, que pode causar surto de várias doenças.
Falando de sua própria experiência recente na região, a porta-voz do UNICEF, observou que uma jovem sobrevivente de agressão sexual disse a ela que “ela viu sua avó ser morta, ela foi estuprada por vários homens e viu seu bebê de nove meses ser jogado fora por aí por outros homens”.
Um médico de um centro de referência apoiado pelo UNICEF em Mekelle, disse a ela que tinha ficado impressionado com o fato de que, em muitos casos, não era a agressão em si, mas sim o dano psicológico causado em crianças, mulheres e equipes de saúde, que foi o mais difícil de suportar.
Foto destaque: Uma criança é examinada para desnutrição em um centro de saúde em Tigray, na Etiópia –Foto: © Mulugeta Ayene/UNICEF