A fadinha de Imperatriz é o protótipo da brasileira raiz

Por
Ayrton Maciel*
Em 30.07.2021
As fadas e fados brasileiros não são mais exclusivamente brancos do Arpoador, Ipanema, Ubatuba, Serrambi ou Taíba, do Ibirapuera ou Alphaville, da Mooca ou do Tatuapé.
Apenas 13 anos de idade. Uma criança, uma fada que sonha com um futuro melhor para os pais, uma oportunidade para superar as asperezas da vida até agora vivida. Deveria estar focando nos estudos, acreditando que a escola é a oportunidade que o esporte é que está lhe propiciando. Sendo justo, correto e compreensivo: os governos é que deveriam  priorizar a presença, a permanência e a aprendizagem das fadas e fados nas salas de aula, oferecendo a formação para os esportes na grade curricular dos níveis básico e médio. Orgulha o Brasil os exemplos de superação e os esforços heroicos não compensados, mas envergonha ter escolas improvisadas sob taipas, galpões e sombras de árvores em terreiros rurais.
Para o feito da fadinha Rayssa Leal, que encheu de orgulho o país (talvez não a parte preconceituosa que se acha europeizada), não cabe a discussão sobre as chagas brasileiras. Há é que se comemorar. O que importa é que a fada de Imperatriz – uma cidade pobre de um dos Estados mais pobres do Nordeste (o Maranhão), uma das regiões mais pobres do Brasil -, é prata, uma menina que virou medalhista olímpica. Como diz o Galvão: “é prata, é prata, é prata”. A medalha da fadinha do skate é a prata para todas as fadas e fados brasileiros, de baixa estatura e raquíticos, nascidos em cada Imperatriz do Brasil. Muitos, consequência da subnutrição na infância.
A fada Rayssa é um protótipo da brasileira-raiz, mas um estereótipo de “povo inferior” para a parcela da elite branca nacional que se vê europeizada. Essas e esses medalhistas são os aborígenes do Brasil. Rayssa deveria skatear nos livros escolares, porém, talvez não tivesse a chance de superar a realidade e alcançar sonhos. Nas horas livres, skatear nas praças. No entanto, nossas fadas e fados precisam doar horas de dedicação para uma breve notoriedade, sendo exemplos para tantos milhares – o que é bom e justo -, em detrimento de uma base sólida e de um futuro permanente. Acontece que apenas o esporte é que é capaz de assegurar às fadinhas e fadinhos nacionais a chance de sair dos limites das Imperatrizes nacionais.
Ítalo Ferreira é um orgulho brasileiro. O seu ouro é fabuloso. Aos 27 anos, dedicou milhares de horas sobre um prancha, o que lhe permitiu ganhar o ouro olímpico depois de já ter conquistado um título mundial. Necessitou, para isso, por os livros escolares como complemento. A prata de Rebeca Andrade, na ginástica artística, é fabulosa. Aos 22 anos, grata à mãe que sozinha a criou com sete irmãos, Rebeca não esqueceu a raiz: Baile de Favela foi a trilha sonora de sua apresentação. Vinda da periferia de Guarulhos, São Paulo, não esqueceu a origem nem a trajetória de sacrifícios, inclusive o de sacrificar a sala de aula.
Nossos Ítalos, Rayssas e Rebecas são negros e caboclos. Nasceram nos rincões nordestinos e favelas brasileiras. Praticam esportes que, até pouco tempo, tinham o estereótipo de elite e estavam reservados para brancos. Conquistam para o Brasil as medalhas que atletas anteriores buscaram conquistar, como nos títulos mundiais, com todo o esforço e apoio que permitiam comprar o próprio skate e a própria prancha ou ter à disposição um clube estruturado para treinar ginástica. O feito da fadinha Rayssa de Imperatriz é fabuloso. Tão grande quanto o ouro do surfe do potiguar Ítalo Ferreira, de Baía Formosa, e de Rebeca de Guarulhos. Mais ainda por serem os primeiros medalhistas em esportes que estreiam em Olimpíadas.
As fadas e fados brasileiros não são mais exclusivamente brancos do Arpoador, Ipanema, Ubatuba, Serrambi ou Taíba, do Ibirapuera ou Alphaville, da Mooca ou do Tatuapé. A elite nacional, com seus preconceitos, agora vibra com fadas de skate e acrobatas em tablados e com fados que aprendem a surfar em tampa de caixa de isopor. Os heróis nacionais não são esperanças de medalhas apenas no futebol, no vôlei ou na vela. Nossos heróis têm pés que vêm do chão batido. Nossas Rayssas, Rebecas e Ítalos são negros e caboclos.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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