“Estou naquele futuro que a gente produz agora”, diz Ailton Krenak

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De Ecoa, em São Paulo (SP)
Em 11/11/2021 
Líder indígena, ambientalista e escritor, Ailton Krenak é um dos pensadores mais influentes do Brasil e, há décadas, faz sua mensagem de respeito ao planeta e aos povos indígenas ressoar em diversos segmentos da sociedade.
Krenak é finalista do Prêmio Ecoa na categoria Vozes que Ecoam e falou em entrevista sobre a mudança de paradigma que tem levado diferentes causas a convergirem para a pauta climática e a urgência que faz a consciência ambiental emergir para mais gente.
“Essa mobilização vai desde a Malala e a Greta Thunberg até as jovens indígenas da Amazônia, os meninos da periferia e o movimento negro”, disse. Ele critica prospecções de futuro que não estejam enraizadas nas ações do presente, destacando que o amanhã precisa ser plantado hoje.
Krenak disputa o Prêmio Ecoa com a política e ambientalista Marina Silva e os atores Bruno Gagliasso, Christiane Torloni e Lázaro Ramos. Idealizada para premiar personalidades que estão usando sua voz para incentivar o público na busca por um mundo melhor, a categoria Vozes que Ecoam é totalmente definida pela participação do público, desde a escolha dos finalistas.
Ecoa – Qual causa você considera mais relevante e urgente para a construção de um futuro melhor?
Ailton Krenak – A experiência que eu tenho tido nos últimos 30, 40 anos é que todas as causas foram convergindo para uma prioridade climática, ambiental — no sentido amplo — e para a emergência de novos paradigmas para a vida. Não tem uma causa excelente. A causa em que os jovens da Europa se engajaram, pela questão do clima, até as lutas que são feitas aqui dentro da floresta pelos povos originários têm a mesma prioridade. Não tem mais um status que diferencia o lugar de uma comunidade no quilombo, na favela, na periferia. Todos estão atuando no sentido de um mundo melhor, é óbvio,

porque senão estariam predando o mundo.
Como inspirar as pessoas a tomar parte nessa luta?
Parece que a realidade abrangente, que afeta a gente global e localmente, está tirando o chão dos nossos pés. Todo mundo está sentindo essa urgência. Acho que podemos mudar aquela ideia de que a gente devia levar a mobilização, a conscientização e ter confiança de que cada pessoa está sendo movida do seu lugar para fazer alguma coisa — inclusive, alguns, para fazer coisas ruins. Não consigo mais me imaginar como um ativador de consciência, porque a consciência está chegando em todo mundo. Vai ter pessoas que vão se mover pra fazer essa mudança e vai ter gente oportunista que vai se aproveitar dessa mudança.
Estou chamando atenção para uma mudança de paradigma. Quando a gente virou o século 20 para o 21, a gente ainda tinha uma ideia de que se podia ativar, a partir de um lugar, uma consciência global. Eu sinto que essa mobilização vai desde a Malala e a Greta Thunberg até as jovens indígenas da Amazônia, os meninos da periferia e o movimento negro. Não teria pretensão de dizer que algum segmento vai ativar uma consciência quando você vê que ela está pipocando em todo mundo.
Qual a importância de usar sua voz, enquanto pessoa pública, para divulgar causas sociais e ambientais?
Quando eu publiquei “Ideias para adiar o fim do mundo”, estávamos sendo engolfados pela pandemia. Dentro da pandemia, publiquei também “A vida não é útil”. Foi uma profunda reflexão sobre essa mudança de paradigma, que me põe num outro lugar social. Talvez eu esteja agora mais com a disposição de apontar a mudança do paradigma e não convocar as pessoas para mudar nada.
Que mudança você gostaria de provocar com a sua atuação?
Nós estamos o tempo inteiro sendo surpreendidos por perspectivas diferentes da economia, do meio ambiente e da política, é quase impossível alguém fazer um futurismo, dizer “vamos fazer isso na próxima década”. É o que põe em questão, por exemplo, os compromissos da COP26. Ela está anunciando compromissos para 2030, alguns pra 2045, como se a gente tivesse garantia de que a coisa vai evoluir. Eu ponho em questão essa ideia do progresso, esse futuro prospectivo. Temos que pensar no aqui e agora, agir aqui e agora. Vamos colher o resultado disso se a gente fizer aqui e agora. Essa história de compromisso para 2030 me frustra muito.
Isso não quer dizer que eu não tenha uma esperança firmada nessa prática. Hoje eu estava limpando o quintal e plantando mudas de árvores. Algumas vão demorar 30, 40 anos para ficar adultas. Só que eu estou fazendo hoje. Quando faço esse movimento, aqui e agora, eu estou de alguma maneira plantando o futuro.
O que ou quem te inspira a seguir tendo esperança neste futuro melhor?
Eu questiono esse futuro. Se for o futuro em que as pessoas fazem compromisso para daqui a 15, 20 anos, estou fora. Estou naquele futuro que a gente produz agora. Eu planto árvore e sei que vai dar fruto. Não posso ficar sentado esperando que uma árvore brote, preciso cooperar para que isso aconteça.
Então a mudança de paradigma que estou sugerindo é deixar de ficar imaginando que existe um amanhã prospectivo em que a gente vai atuar, e se omitir no hoje, no aqui e agora. Talvez seja um pensamento muito contemporâneo. Em vez de imaginar desenvolvimento, progresso, imaginar o que nós podemos fazer agora. Minha esperança está apoiada na prática, no conhecimento e na ciência.
A gente tem que valorizar a ciência no amplo sentido, sem coloração, inclusive porque ela tem sido muito detonada, o negacionismo está avançando como uma noite sobre tudo. Então tem que ter uma esperança, mas não a fantasia. Existe uma esperança placebo, que é como bater no ombro de alguém e dizer “ah fica tranquilo, vai dar tudo certo”. A outra é dizer: “vamos produzir as condições pra gente viver”. A esperança placebo é falsa, cria expectativa de que tudo vai melhorar, como se fosse uma canção. Mas a gente é que tem que fazer melhorar.
Foto destaque: O líder indígena Ailton Krenak – Divulgação