132 anos de uma República aviltada, mas resiliente

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 15.11.2021

Alguns mantêm a esperança e a crença de que um dia seremos um país sério.

Já se foram 132 anos, mais de um século que o Brasil se tornou uma república através de um golpe militar encabeçado pelo marechal Deodoro da Fonseca, que conduziu o primeiro governo provisório, após a proclamação da República, no período de 1889 a 1891.

O Marechal era um defensor da monarquia e considerado herói da guerra contra o Paraguai, mas promoveu o ato movido por várias questões que pressionavam pelo fim da monarquia, como a interferência da monarquia nas questões eclesiásticas, as insatisfações dentro do Exército – especialmente entre as chamadas baixas patentes – as insatisfações dos fazendeiros com a abolição da escravatura e as insatisfações de uma classe média emergente que não encontrava espaço de participação política.

Alguns historiadores falam que a população mais humilde era a favor da monarquia por conta da abolição da escravatura, ainda que o ato de abolição não tenha incorporado um projeto de país que abrigasse a população negra em políticas públicas para inclusão socioeconômica e para o exercício da cidadania com dignidade.

Naquele momento, no Brasil, crescia a cafeicultura e o desenvolvimento do processo de industrialização. O país já havia iniciado também o processo de imigração de famílias trabalhadoras da Europa, motivadas pelas atrações do novo mundo, mas sobretudo pela fome em seus países.

Sobre a proclamação da República, Eduardo Bueno, em postagem de 2017, diz o seguinte: “O golpe militar promovido em 15 de novembro de 1889 foi reafirmado com a proclamação civil de integrantes do Partido Republicano, na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Ao contrário do que aparentou, a proclamação foi consequência de um governo que não mais possuía base de sustentação política e não contou com intensa participação popular. Conforme salientado pelo ministro Aristides Lobo, a proclamação ocorreu às vistas de um povo que assistiu tudo de forma bestializada.

O termo república vem do latim ‘res publica’, coisa pública, o assunto público e portanto, de todos e deve ser decidido por todos, o que não acontece no Brasil, nos moldes do atual sistema democrático e representativo.

Aliás, é comum que questões fundamentais em nosso país só comecem a acontecer  no espaço de cem anos, como a necessidade de escolas públicas de boa qualidade e em tempo integral para todas as crianças, tal qual aconteceu com a proclamação da República, pois na Constituição de 1891 foi definida a República Presidencialista como forma de governo, estando prevista  a realização de um referendo para consultar à população qual o regime político deveria ser implantado no Brasil, o que só aconteceu em  1993, com a vitória da República Presidencialista.

“A maioria dos eleitores votou a favor do regime republicano e do sistema presidencialista, maneira pela qual o país havia sido governado desde a Proclamação da República 104 anos antes – com exceção de uma breve experiência parlamentar entre 1961 e 1963”.(Wikipédia)

Alguém lembra disso?

Pois é, ainda estamos atualmente curtindo a nossa resiliência republicana.

O povo só sabe que existe a República porque é um feriado nacional que este ano se transforma num grande feriadão, o que nos possibilita a todos tomar uma cachaça ou um whisky sem sequer tomar conhecimento de que “a boiada vai passando” sem ninguém na porteira para controlar o gado. Alguns espreitam à distância para ver os caminhos percorridos e suas consequências.

Após 132 anos de República, as práticas vão se repetindo e se aprimorando nas maldades. Convivemos com um parlamento que definiu que doravante o orçamento é secreto. Ora, numa república democrática, como se quer o Brasil, o orçamento é o instrumento fundamental para planejamento do que pode ou deve ser feito com o dinheiro dos impostos que toda população paga diariamente, em vários formatos, quando compra comida, bota gasolina no carro, passa por um pedágio, e também quando desconta o Imposto de Renda na fonte de registro do seu trabalho ou da venda de sua mais valia…

Passamos mais de 26 anos concebendo programas sociais para garantia de renda mínima das famílias que vivem em situação de pobreza extrema, que resultou no Bolsa Família, que agora foi substituído pelo programa Auxílio Brasil, que só terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2022, ano de eleição para presidente desta República.

Durante esta semana que findou, o país pode acompanhar, pelos noticiários, a angústia de milhares de pessoas – sobretudo mulheres chefes de famílias – aglomeradas em filas quilométricas, muitas carregando suas crianças no colo, em busca de confirmação sobre sua situação e de seus filhos no Cadastro Único praticado pelas prefeituras e coordenado pelo governo federal.

Nunca se espera que aconteça tamanha desventura num país que já tenha sido a nona economia do mundo e use de artifícios, os mais degradantes, para manipular a população pobre que durante este governo se ampliou para mais da metade de sua população.

Tudo isso praticado em semelhança ao que aconteceu há mais de um século, quando um golpe militar anunciou a proclamação da República.

As forças que contribuem para que o país permaneça patinando na sua herança Macunaíma, são as mesmas.

Como naquela época, o povo continua muito distante do poder, das decisões, consequentemente dos malfeitos. Muitos não se dão conta das consequências sobre o que acontecerá em suas vidas por muitos anos, motivadas por decisões tomadas por dirigentes políticos que habitam o parlamento e o executivo de agora, com a cooperação de setores do judiciário, das igrejas e outros da sociedade civil. Outros seguem atônitos, surpresos, humilhados e desesperançados. Alguns mantêm a esperança e a crença de que um dia seremos um país sério.

*Mirtes cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Este texto não reflete necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.