Vacinação, direito da criança e dever do Estado
Mirtes Cordeiro*
Em 17.01.2022
Fundamental é fortalecer o SUS e garantir informação com transparência à população.
“Vacinação é feita principalmente a partir de campanha, a partir de informação da população. O que é necessário é passar uma mensagem clara e direta para população de que a vacina salva vida, é importante, é segura. Então, é isso que precisa ser feito. A obrigatoriedade sempre existiu. A gente não imagina se vai haver uma fiscalização em torno da obrigatoriedade da vacina. Não é por aí que a vacinação se faz e não foi por aí que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) se tornou um programa exemplar no mundo todo.” A explicação é do advogado e médico sanitarista Daniel Dourado, em entrevista ao G1.
Pois bem. Até que enfim começou a vacinação contra Covid-19 para as nossas crianças com idade entre cinco e 11 anos de idade, em meio a grandes debates negacionistas promovidos pelo presidente da República e seu ministro da Saúde, mesmo considerando que, a vacinação para crianças já teve início, com segurança, em outros países há alguns meses.
Direito da criança e dever do Estado. Está registrado no Estatuto da Criança, Lei n 8.069 de 13 de julho de 1990, Art. 14 parágrafo único.
Esqueceram? É o que parece. Ou nunca tomaram conhecimento.
Da ação do presidente, não adianta falar. É uma questão que só será resolvida no período eleitoral deste ano, tomara, quando cessarão os insultos diários à população brasileira. Mas o ministro tem insistido em manter uma postura caricatural do seu chefe.
O que um médico ganha com isso, já no fim da carreira? Como diria o presidente, o que está por trás? Ninguém sabe. Cidadãos de bem enxergam melhor com atitudes transparentes.
A decisão da ANVISA foi questionada e os nomes dos técnicos que aprovaram o uso da vacina foram solicitados em público, através de live, numa ameaça semelhante àquelas que aconteciam nos tempos da guerra fria, como se a aprovação pela ANVISA e o dever de fazer fosse um crime a ser desvendado.
O ministro, que é médico cardiologista, negou o juramento a Hipócrates e logo tratou de organizar as ações do Ministério da Saúde numa quase perfeita artimanha para impedir o processo de vacinação.
Seria preciso apresentar prescrição médica após visita ao clínico geral ou pediatra. Onde encontrar médicos, clínicos e especialmente pediatras para todas as crianças aptas à vacinação contra Covid-19 autorizada pela ANVISA?
No Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios existem 35,5 milhões de crianças (pessoas de até 12 anos de idade), o que corresponde a 17,1% da população estimada no ano, de cerca de 207 milhões”. (Dados referentes a 2019)
A Sociedade Brasileira de Pediatria diz que há 20 milhões de crianças entre cinco e 11 anos de idade no país.
Imaginemos a sandice do ministro, ardiloso na execução das ideias estapafúrdias de seu chefe, trabalhando na construção de uma audiência pública.
No Brasil, àquela altura, já havia sido registrado o falecimento de 558 crianças de cinco a 11 anos falecidas por Covid-19, sendo notificadas 297 mortes em 2020 e 261 em 2021. (Dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) até 29/11, coleta/Poder360).
No entanto, as mortes podem ter chegado a 800 crianças, número bem mais alto do que o oficial, indicado por levantamento realizado pela consultoria Vital Strategies, a pedido da BBC News Brasil, com base em dados também do (SIVEP-Gripe). Esse levantamento foi coordenado pela médica Fátima Marinho, epidemiologista e consultora da referida empresa.
Durante este final de semana a vacinação teve início em alguns estados para crianças com comorbidades. Famílias já acostumadas a fazer a vacinação de seus filhos manifestaram o sentimento de alívio nas telinhas de todo o país ao conduzi-los para tomar a vacina, que é proteção já comprovada em outros países contra o vírus.
Cadernetas ou cartões de vacinação dos filhos são guardados pelas famílias brasileiras como verdadeiras relíquias. É documento valioso para a garantia de vaga nas escolas e para a contratação do trabalho formal pelas empresas. O Brasil é considerado como referência mundial em vacinação, com vacinas garantidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para toda a população brasileira, num amplo processo de prevenção desenvolvido através de campanhas informativas, evitando a proliferação de determinadas doenças e mantendo o controle de muitas delas.
Para o infectologista Jamal Suleiman, o governo perdeu tempo precioso aguardando o resultado da consulta pública.
Ontem recebi em minha casa uma pessoa que queria saber se eu autorizaria a vacinação dos meus dois netos. Fiquei perplexa com a pergunta. A pessoa havia cumprido um extenso calendário de vacinas proposto pelo SUS para sua filha, quando pequena.
Me lembrei de Ariano Suassuna e suas histórias contadas no Youtube: “Uma vez veio uma pessoa na minha casa e disse: ‘eu vim aqui dizer um bocado de coisa que você não vai gostar… então eu disse, não diga kkk.” (Youtube visita chata). Mas, logo identifiquei no olhar da criatura a angustia que é imposta a parte da população através de insultos e mentiras (fake News) pelo governo, neste tempo de pandemia.
Então fui mais longe e me lembrei da época da varíola, no Ceará, quando eu tinha 12 anos na década de 1950.0 A minha família e quase toda população da cidade inteira (Ipu) foi acometida pela doença que fazia grande número de vítimas, e para muitos era mortal.
Havia um médico na cidade, Dr. Tomaz de Araújo Correia, falecido aos 100 anos de idade, em 2020, de Covid-19. Ele visitava as casas dos doentes, distribuía medicação para febre e materiais de higiene. Mais curioso, distribuía folhas de bananeiras para que as pessoas doentes, evitando que as feridas produzidas pela varíola fizessem aderência aos tecidos dos lençóis.
O efeito dessa doença no Brasil e no mundo foi devastador, fazendo mais de 300 milhões de vítimas no período de 80 anos em que esteve ativa e somente foi considerada erradicada no dia 8 de maio de 1980 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apesar da primeira vacina ter sido criada no século XVIII, em 1796, pelo médico britânico Edward Jenner, também conhecido como o pai da imunologia.
No entanto, a vacina contra a varíola somente chegou ao Brasil em 1804, trazida pelo Marquês de Barbacena, tornando-se obrigatória efetivamente em 1904, por influência do médico sanitarista Osvaldo Cruz. (Instituto Butantan)
Portanto, não há o que temer, muito menos querer protagonizar nova revolta da vacina, como ocorreu no início do século passado, no Rio de Janeiro.
O direito a saúde é garantido pelo SUS e está escrito na nossa Constituição. Além disso, a população brasileira sabe por experiência própria que a vacinação faz parte fundamental do processo de prevenção às doenças.
Fundamental é fortalecer o SUS e garantir informação com transparência à população.
Viva o SUS!
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Foto destaque: Internet