Uma Escola Profissionalizante e Pública por 1 kg de ouro

Por

Mirtes Cordeiro*

Em 28.03.2022

O direito de aprender de uma criança não pode ser trocado por moedas, sobretudo por ouro vindo dos garimpos irregulares, porque representam propina, suborno, corrupção e obscurantismo.

Uma boa Escola Pública vale mais que um quilo de ouro; vale o esforço desenvolvido por professores, crianças e jovens durante anos de suas vidas para o desenvolvimento de sua aprendizagem e para o fortalecimento democrático. Por isso, não tem preço!

O Brasil começou a existir com o regime de capitanias hereditárias. Ao tomar posse das terras do novo continente, D. João VI concedeu as terras aos denominados donatários que deveriam desenvolver a colônia com investimentos privados, considerando a preocupação com fé e moral no desenvolvimento do empreendimento.

Os donatários deveriam pagar os impostos e prover o povoamento. As terras eram hereditárias, o que acontece até hoje. Neste sistema os donos das terras serão sempre os ricos. O Brasil nunca fez a reforma agrária para resolver essa questão da posse da terra.

As capitanias duraram apenas 16 anos, tendo fracassado a grande maioria.

A primeira centralização do governo português em solo brasileiro aconteceu em 1548, com a implantação do Governo Geral, tendo sido nomeado o primeiro governador-geral Tomé de Sousa, fundador da primeira capital do Brasil, Salvador, em 1549.

Com o governo geral chegaram os Jesuítas chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega com a responsabilidade de catequizar os índios e, ao mesmo tempo, cuidar da instrução.

As primeiras escolas no Brasil foram fundadas pelos Jesuítas, sendo a primeira em Salvador e a segunda em São Paulo, em 1554, fundada em 25 de março, na Vila Piratininga, data comemorada até hoje como a fundação da cidade.

As Escolas dirigidas pelos Jesuítas tinham por objetivo instruir e catequizar, formando assim o pensamento da elite colonial e dominando os índios pelo que chamavam de conversão, já que os índios eram considerados selvagens, pessoas sem cultura.

A maioria dos índios se rebelou contra essa conversão e domínio do colonizador com a imposição do seu sistema de trabalho. Foram quase dizimados em muitas batalhas travadas e até hoje lutam pelo direito à demarcação das terras que ora ocupam.

Em 1759, com o rompimento de Portugal com a Companhia dos Jesuítas, os mesmos foram expulsos do Brasil, momento em que “foram criadas as aulas régias avulsas de grego, latim, filosofia e retórica, que deveriam substituir as disciplinas antes oferecidas nas escolas até então”. (Rachel Silveira UNESP)

Segundo Rachel, Fernando Azevedo, em suas análises, fala do monopólio dos Jesuítas sobre as escolas no Brasil e em outras colônias, como também motivo para a expulsão.

O fato é que a Escola Pública no Brasil surgiu com o pioneirismo de Anísio Teixeira que, juntamente com outros educadores e teóricos da educação, conceberam a  educação pública em todos os níveis como um direito de cidadania, diante de um mundo que apresentava grandes mudanças, como o desenvolvimento da indústria, de tecnologias e da ciência.

Para Anísio Teixeira e outros defensores da educação pública, “as novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil”. (Marcio Ferrari, Nova Escola)

Ainda não chegamos lá, mas é preciso!

Atualmente no Brasil, segundo a nossa Constituição, a educação na escola pública é direito de todos e gratuita, devendo ser oferecido o ensino básico obrigatoriamente por Estados e Municípios, em colaboração com o Ministério da Educação, para crianças e adolescentes a partir dos 4 anos de idade.

No governo atual, como se não bastasse a demolição das políticas públicas implantadas e reiniciadas com o período de redemocratização do país, instalaram-se ministérios paralelos para promover ações que não são compatíveis com as normas estabelecidas pela legislação, com as necessidades da população, com a ética e o decoro.

O sistema de colaboração é inexistente, o MEC desconhece o Plano Nacional de Educação, e aos ministros que passaram pela pasta, faltaram educação, ética e decoro.

Circula um áudio pelos noticiários onde ouvimos o atual  ministro nomeado dizer que o atendimento prioritário para liberar verbas para construção de escolas é para os amigos do presidente, e que o pedido deve ser feito através de dois pastores, que sequer pertencem aos quadros do ministério.

Diante da situação em que se encontra o país – com a maioria das famílias necessitando de escolas com estrutura que possa abrigar uma boa prática pedagógica para avançar no processo de aprendizagem, necessitam de reforço escolar para superar o tempo perdido durante a pandemia, do esforço que professores fazem para garantir a sobrevivência com salário defasado – o áudio soa como desrespeito, chacota e volta ao tempo da colonização, em que Jesuítas conquistavam os índios para a catequese e para a instrução, distribuído espelhos e miçangas.

Os Prefeitos disseram que uma escola poderia ser trocada por R$ 15 mil,  R$ 40 mil ou até por um quilo de ouro.

Direitos básicos como a alimentação, a saúde, a educação, são conquistas fundamentais da democracia.

É isso que crianças também devem aprender nas escolas

O direito de aprender de uma criança não pode ser trocado por moedas, sobretudo por ouro vindo dos garimpos irregulares, por que representam propina, suborno, corrupção e obscurantismo.

Bem já dizia Brizola: “Esses pastores querem é estação de rádio e dinheiro. São adoradores dos bezerros de ouro”. (*)

(*) exceção para os que realmente praticam sua fé com idoneidade.

*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.

Foto destaque: revista forum.com.br