E aí, posso entrar na tua equipe?

Por

Alcivan Paulo de Oliveira*

Em 13.08.2022

Nem me lembro quando me dei conta desse fato. Deve ter sido no Ensino Médio, estudado no antigo Ginásio Pernambucano. Era a professora ou o professor dizer que haveria trabalho em equipe e eu já sabia que “ele” iria sair pedindo para entrar em equipe já formada. Depois, era aquela confusão: a criatura se escorava o tempo todo e depois ganhava a mesma nota de quem trabalhava.

Nas minhas memórias, tem um colega e uma colega da universidade. Foram reconhecidos já no segundo período. Ninguém falava para elas diretamente, mas a rádio corredor era cheia de notinhas, de comentários. Algumas equipes desenvolveram até estratégias para não ter que aceitá-las. – Trabalho em equipe? Minha equipe já está formada professor, gritava Socorro, que era seguida por outros. No final, a pobre da equipe que aceitava ele, ela ou os dois, não raro era formada por alunos de outras turmas (os chamados “desblocados”), que não conheciam a fama deles.

Como educador, sei que o trabalho em equipe para apresentar seminário não é coisa de professor que tem preguiça de dar aula. Pode até acontecer. Eu tive um professor tão coerente com isso que pagava a aula às equipes. Também não é penas uma estratégia pedagógica para desenvolver competências de pesquisa e apresentação de temas em sala de aula. É o cultivo das chamadas competências socioemocionais e psicossociais, quer dizer, tem como objetivo desenvolver as relações sociais, a colaboração mútua, a habilidade do diálogo em torno de questões que não possuem consenso, e assim por diante. Então, são não apenas desejáveis, mas também necessárias. Em último caso, alivia um pouco o peso de se passar o tempo todo ouvindo a mesma pessoa (o professor) falando em sala. Mas…

Vamos combinar, é terrível se sentir explorado por um colega. A criatura aparece no dia de formar a equipe, depois desaparece das reuniões. A equipe faz a discussão, depois, utilizando-se o método de Jack, o estripador, divide o assunto em partes iguais entre os membros e cada um vai fazer o seu.  Se o tal ou a tal não está presente, então alguém comunica a ele/ela suas responsabilidades. A criatura some e aparece no dia da apresentação do seminário. E já chega perguntando aos colegas: e aí, como vocês vão apresentar? Quando chega a vez dele, é um desastre. Mas os outros o salvam e se salvam…

E tem aquele que confia plenamente em suas competências discursivas. Ao modo de Rolando Lero (o personagem da escolinha do Professor Raimundo), chega e fala sem ter estudado, sem ter pesquisado nada. Tem também o que “discorda” da equipe. Discordar aqui é força de expressão. Na verdade, ele ou ela encontra um jeito de se desresponsabilizar de qualquer insucesso, inventando mil e um argumentos.

Creio que nenhum estudante se transforma nesse personagem do dia para a noite. Como tudo na vida, deve ser um processo. Cedo, a criatura deve ter descoberto que a coisa funciona assim: se eu estudar ou não, a nota está garantida. Desde os anos finais do Ensino fundamental, quando os professores começam a passar trabalhos em equipe, ele/ela deve ter descoberto isso. Funcionou no Ensino Médio, por que não vai funcionar na faculdade?

Eu sempre me incomodei muito com isso. Principalmente porque não via, da parte dos professores, nenhuma medida para corrigir o problema. Quando me tornei professor, fui em busca de estratégias para tentar superar o problema: apresentar um esquema de avaliação antecipadamente e determinar que todos e todas da equipe deveriam se apropriar do tema globalmente (para não se seguir a regra de Jack); atribuir notas individuais à apresentação; determinar que na apresentação haveria o momento de respostas e perguntas, da turma para a equipe e aí, todos e todas deveriam participar. Para evitar que o “escorão” agisse, cheguei a aplicar o método evangélico, aquele que está descrito no capítulo 18, versículos de 15 a 20 do evangelho de Mateus,  sendo que eu assumia o papel da assembleia. Não creio que tenha conseguido muito sucesso.

O mais grave de tudo isso é que esses casos tendem a virar folclore. Sabe como é, o que é sério é tomado como piada e fica por isso mesmo. A questão é que na vida profissional, por um lado, o resultado não é apenas uma avaliação injusta da criatura; por outro, ele/ela não vai poder lançar mão da estratégia: e aí, posso entrar na tua equipe?

*Alcivan Paulo de Oliveira é professor.

Imagem: globoplay.globo.com