O tempo não-cronológico

Por

Jénerson Alves*

Em 16.09.2022

Clarice Lispector confessou que, em sua escrita, tentava “captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais”. É uma constante busca de um tempo não-cronológico, mas elástico, algo que praticamente toca na eternidade.

Essa não é uma perspectiva recente. Os gregos já diziam que havia o ‘chronos’, ou seja, o tempo calculado, e o ‘kairós’, o tempo oportuno. O primeiro seria medido em números; o segundo, em significados.

A Arte tenta eternizar o ‘kairós’. Em uma crônica, Clarice Freire enxerga o Tempo, reclama com ele e, por fim, toma um cafezinho com ele, ao lado da mãe e da avó. Há algo de metafísico no trivial, no comum, no cotidiano. E quem tem olhos de artista consegue enxergar.

Aliás. Artista não apenas enxerga, mas ouve, toca, cheira… Lembro-me que, em um caderno de esboços, a pintora sueca Gerda Roosval-Kallstenius escreveu: “Arte – uma espécie de atividade humana livre (= autodeterminante), que visa reproduzir ou preservar uma sensação percebida como bela”. É isso o que ela consegue fazer, por exemplo, no autorretrato ‘Jacinto Azul em Paris’. Através da pintura, é quase possível tocar na flor, sentir seu aroma e, principalmente, comungar da sensação de quem é retratada na cena.

*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.

Imagem: Jacinto Azul em Paris, autorretrato de Gerda Roosval-Kallstenius.