Lampião e a Rota do Cangaço
José Ambrósio dos Santos*
Em 05.10.2022
Depois de caminhar pouco mais de um quilometro e meio em plena caatinga no sertão sergipano margeando o rio São Francisco, cheguei ao Monumento Natural Grota do Angico, onde Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi emboscado, assassinado e decapitado. Um local inóspito, dentro da antiga Fazenda Angicos (hoje uma reserva ambiental), em Poço Redondo, mas que foi facilmente acessado pela volante (Polícia Militar) comandada pelo tenente João Bezerra, após delação obtida sob intensa tortura de Pedro Cândido, coiteiro (gente que dava abrigo aos bandoleiros) do mais famoso cangaceiro nordestino.
O sol estava a pino quando cheguei à Grota do Angico, na quarta-feira (28.09). Àquela hora do dia 28 de julho de 1938 o cheiro de pólvora ainda estava no ar. Após intenso tiroteio iniciado às 05h da manhã e que durou cerca de 15 minutos, 11 corpos foram deixados decapitados no local, entre eles o de Maria Bonita, companheira de Lampião. O que interessava aos executores era apenas as suas cabeças, exibidas como troféus em diversas praças públicas, sendo a primeira a da cidade de Piranhas (AL), localizada a poucos quilômetros de distância, na outra margem do rio São Francisco.
Elas foram expostas na escadaria do Palácio Dom Pedro II, sede da Prefeitura de Piranhas, cidade que menos de um ano antes, em outubro de 1937, havia sido invadida por um subgrupo do bando de Lampião comandado por Corisco. Nesse ataque o cangaceiro Gato foi baleado e morreu pouco depois, durante a fuga. Somente 31 anos depois as cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas, a pedido de familiares. Elas ficaram expostas até 1969 no museu Nina Rodrigues, na Bahia.
Foi de Piranhas que partiu a volante do tenente João Bezerra para o último confronto com o Rei do Cangaço.
Hoje, o temido e famoso cangaceiro que chegou a ser comparado a Robin Hood e Jesse James como exemplos de nobres salteadores, vingadores ousados, defensores dos oprimidos, povoa o imaginário popular dos habitantes de Piranhas e de todo o país (herói/vilão, justiceiro/criminoso) e é um dos grandes atrativos da cidade considerada um dos principais destinos turísticos de Alagoas.
Com o selo de Patrimônio Histórico Nacional do IPHAN, Piranhas é uma das portas para a Rota do Cangaço, que refaz o caminho percorrido pela volante do tenente João Bezerra até a Grota do Angico.
E foi de Piranhas que segui para a Grota do Angico. De lancha, um grupo de dez pessoas seguiu pelo baixo São Francisco. No percurso, uma parada no povoado de Entremontes, pertencente a Piranhas. Lampião costumava se abrigar em Entremontes, que também recebeu a visita do imperador Dom Pedro II, em 1859.
De Entremontes até o início do percurso que leva à Grota do Angico é somente o tempo de atravessar o rio São Francisco. Do Restaurante Karrancas, já em terra sergipana, o grupo seguiu sob orientação da historiadora Carla que, bem-humorada, se apresenta como Maria Bonita, inclusive vestida como a cangaceira.
O trajeto exige atenção, pois a trilha corta a caatinga e em muitos trechos o percurso é muito estreito. O corre-corre sem sustos dos mocós (pequenos roedores que podem medir 40cm e pesar até um 1 kg) e o canto de pássaros como o cancão estão sempre presentes e são atrativos irresistíveis para fotografias, da mesma forma que a vegetação, a exemplo do xique-xique, do mandacaru e da macambira. Em boa parte do trecho a trilha segue o leito seco da grota, repleto de pedras que dificultam a caminhada. Sempre que surge uma árvore mais frondosa, uma rápida parada para hidratação e explicações da guia.
A chegada à Grota do Angico é um momento marcante para a maioria dos que fazem o percurso. Duas cruzes homenageiam os cangaceiros mortos, em um lado. Do outro, uma cruz homenageia o único soldado morto, Adrião Pedro de Souza, de apenas 23 anos de idade. Saber que ali tombaram Lampião e Maria Bonita – ele com 40 anos e ela com 27. E mais Luis Pedro, Quinta-feira, Elétrico, Mergulhão, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Macela. Há relatos de que Maria Bonita teria sido decapitada ainda com vida, o que revela não diferir a ferocidade impiedosa das volantes ou de alguns de seus integrantes em relação às atrocidades atribuídas aos cangaceiros, que combatiam.
Passados 84 anos do massacre da Grota do Angico, toda a região e muitas cidades, principalmente nordestinas, discutem e se nutrem da saga de Lampião. Sua história e sua estética estão presentes nas casas de cultura e lojas de presentes dos grandes centros urbanos de grande parte do país através do vestuário, dos calçados, dos chapéus de couro e do artesanato de um modo geral. No Monumento Natural Grota do Angico, no dia 28 de julho deste ano, foi celebrada a 25ª Missa do Cangaço, organizada pela neta de Lampião, jornalista Vera Ferreira. O ato religioso costuma ser prestigiado por populares, estudiosos do cangaço, professores, alunos e pesquisadores de diversas partes do Nordeste.
Nascido em Serra Talhada (PE) em 1898, o Rei do Cangaço é o segundo personagem mais biografado da América Latina, depois do revolucionário argentino Ernesto Che Guevara.
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.
Fotos: José Ambrósio dos Santos
Visitei por 2x esse histórico lugar e voltarei lá no próximo Janeiro. Não me canso,e cada vez que volto,aprendo algo novo.
Isso mesmo, Jô. A Grota do Angico tem muito a revelar, ainda. Local fascinante, apesar da aridez. Vale cada passo da caminhada.
Muito bom . Bem elaborado e convidativo para quem não conhece fazer uma visita
.
Lampião, Maria Bonita e a história do cangaço estão no imaginário popular dos brasileiros. Há muito desejava conhecer a Grota do Angico. Espero voltar, talvez já no final de julho do próximo ano, quando ocorre a Missa do Cangaço, no local da emboscada, no dia 28 de julho.