Estou como o campo de trigo com corvos
Jénerson Alves*
Em 07.10.2022
Sinto que a arte é um espelho. Não raramente, deparo-me com obras que parecem falar sobre mim. Foi assim com ‘Campo de trigo com corvos’, de Vincent Van Gogh, uma das mais famosas pinturas do impressionista. No quadro, usando a técnica de óleo sobre tela, Van Gogh traduziu sentimentos de extrema tristeza e solidão.
Em primeiro plano, vê-se um caminho sem saída que parece se abrir diante do observador. O trigo, aparentemente, está maduro, pronto para a ceifa, como que indicando o final de um ciclo. O céu azul apresenta uma densidade ameaçadora. Os corvos trazem uma simbologia de mau presságio. As cores escuras reproduzem uma melancolia que se amalgama com o crepúsculo da vida.
Há um céu sem sol. Ausente o astro-rei, não há luz nem calor. Esse frio que me faz lembrar um pouco do castelo de gelo da bruxa má de Nárnia. E é como se o meu coração estivesse assim: sem sol, sem a transcendência que dá sentido à vida e aquece o espírito. Não há demônios, mas também não há Deus. Essa é a extrema solidão.
Entretanto, nem tudo é melancolia. Há sempre uma pitada de liberdade nas figuras campestres. Há sempre algum elemento fortalecedor no plantio do nosso espírito. Há sempre uma fagulha do Eu Superior cintilando nas trevas do nosso olhar. Estou como o campo de trigo com corvos: melancólico, inquieto, com múltiplas perspectivas; contudo, com um coração livre e com partículas de esperança indicando novos horizontes.
*Jénerson Alves é jornalista e membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel. Escreve às sextas-feiras.
Imagem: ‘Campo de trigo com corvos’, de Van Gogh.