América Latina e Caribe tornam-se epicentro da pandemia; ONU sugere ações
Agência ONU
Em 10.07.2020
A América Latina e o Caribe tornaram-se o epicentro da pandemia de COVID-19, com vários países da região registrando agora as maiores taxas de infecção per capita e o maior número absoluto de casos no mundo.
O alerta é do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que lançou nesta quinta-feira (9) um relatório sobre os impactos da COVID-19 na região.
Segundo o documento, espera-se uma contração de 9,1% no Produto Interno Bruto (PIB), que será a maior em um século. Os impactos sociais da pandemia serão sentidos de maneira aguda, com fortes aumentos do desemprego, da pobreza, da extrema pobreza e da desigualdade.
Acesse o relatório na íntegra clicando aqui.
O desemprego aumentará de 8,1% (2019) para 13,5% (2020). Isso elevará o número de desempregados na região para mais de 44 milhões de pessoas, um aumento de mais de 18 milhões em relação ao registrado em 2019.
Prevê-se ainda que a taxa de pobreza aumente em sete pontos percentuais em 2020, para 37,2% da população – um aumento no ano de 45 milhões de pessoas (para 230 milhões no total). Além disso, a pobreza extrema deve aumentar de 4,5% a 15,5% da população, o que representa um aumento no ano de 28 milhões de pessoas (para 96 milhões no total).
O índice Gini médio regional, que mede a concentração de renda, deverá aumentar 4,7 pontos percentuais em 2020.
“Temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para conter a propagação do vírus e enfrentar os efeitos da pandemia na saúde. Mas precisamos igualmente de responder aos seus impactos sociais e econômicos sem precedentes”, disse António Guterres na mensagem de vídeo para o lançamento do relatório.
A pandemia está atingindo uma região que já possui profundas desigualdades, altos níveis de trabalho informal e serviços de saúde fragmentados. Apenas 34,2% das pessoas que estão entre as 10% de menor renda são cobertas por algum seguro de saúde.
O documento traz um conjunto de passos urgentes e de longo prazo para que o mundo possa se recuperar melhor. “Apela aos governos para que façam mais para reduzir a pobreza, a insegurança alimentar e a desnutrição. Isso pode passar pela atribuição de um rendimento básico de emergência ou de subvenções contra a fome”, disse Guterres.
A crise afetará mais severamente as mulheres, já que elas representam mais de 60% da mão de obra nos setores de hotelaria e serviços de alimentação na região, 72,8% da força de trabalho de assistência médica e têm maior probabilidade de trabalhar em ocupações informais do que os homens.
O confinamento colocou pressões adicionais sobre as mulheres, como cuidadoras primárias, enquanto a incidência de feminicídio e outras formas de violência sexual e de gênero aumentou.
Também os povos indígenas – 60 milhões de pessoas, 10% da população da região – e os afrodescendentes – 134 milhões de pessoas, 21% – serão desproporcionalmente mais afetados. Estes grupos tendem a viver em piores condições socioeconômicas e têm acesso limitado à proteção social em comparação com restante da população, além de altos níveis de discriminação no mercado de trabalho.
Segundo o relatório, a crise exacerbará também a vulnerabilidade de migrantes e refugiados. Quando restrições à liberdade de circulação ou acesso a territórios nacionais são impostas, é importante fazê-lo de uma maneira que respeite as leis internacionais sobre os direitos humanos e o direito humanitário e dos refugiados – particularmente os princípios de não discriminação e não repulsão e as proibições de detenção arbitrária e expulsão coletiva.
Respostas e recomendações no curto prazo
No curto prazo, aponta o documento, os governos devem considerar mecanismos para fornecer às pessoas que vivem na pobreza uma renda básica de emergência. Isso poderá incluir a possibilidade de oferecer um auxílio monetário equivalente à linha de pobreza nacional. A linha de pobreza média para a região é de cerca a 140 dólares por mês.
Estima-se que o custo de financiar a renda básica de emergência por seis meses corresponda a 1,9% do PIB regional. Segundo a ONU, os governos devem considerar estender a cobertura aos trabalhadores informais que atualmente não vivem abaixo da linha da pobreza, mas carecem de proteção social necessária para lidar com os impactos da crise.
Para combater a insegurança alimentar e a desnutrição, essas medidas devem ser complementadas, quando necessário, por auxílios emergenciais contra a fome para pessoas que vivem em extrema pobreza.
A resposta multilateral imediata deve ser estendida aos países de renda média. Esse grupo, que inclui a maioria dos países da América Latina e do Caribe, enfrenta restrições estruturais, mas foi amplamente excluído da cooperação internacional na forma de assistência emergencial à liquidez, financiamento, isenções comerciais, adiamento do pagamento do serviço da dívida e assistência humanitária.
Esses instrumentos, indicou a ONU, são cruciais para combater a crescente dívida pública externa dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento do Caribe.
Ainda segundo o relatório, devem ser apoiadas iniciativas para o alívio da dívida ou a suspensão temporária dos pagamentos da dívida e para mecanismos inovadores de financiamento, como a troca de dívida por investimentos em adaptação climática para esses pequenos Estados insulares do Caribe.
Estas iniciativas devem ser acompanhadas por um sistema tributário fortalecido e progressivo para garantir que o esforço fiscal decorra em grande parte de impostos redistributivos e ações para reduzir a evasão e a elisão fiscais. A evasão fiscal, ou sonegação fiscal, é o uso de meios ilícitos para evitar o pagamento de impostos. Já a elisão fiscal utiliza métodos legais para diminuir o peso da carga tributária.
Reconstruindo melhor e com igualdade
Na América Latina e no Caribe, reconstruir melhor significa reconstruir com igualdade, afirmou a ONU, sustentando que a igualdade ajuda a sustentar a renda e a demanda agregada.
O foco na inclusão social neutraliza o aumento da xenofobia e a estigmatização de grupos marginalizados, enquanto a igualdade impede que o poder econômico concentrado capture e distorça políticas públicas. A ONU pede ainda esforços complementares para combater a corrupção e o crime organizado, bem como e a presença efetiva, responsável e receptiva do Estado.
Os planos de recuperação da pandemia devem procurar transformar o modelo de desenvolvimento da região, fortalecendo a democracia, salvaguardando os direitos humanos e preservando a paz, de acordo com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Devem ainda fortalecer a governança democrática, o Estado de Direito, a responsabilidade e a transparência em uma democracia sustentada por um pacto social para garantir legitimidade, inclusão e eficácia das políticas públicas, bem como o envolvimento das comunidades locais e da sociedade civil, incluindo organizações de mulheres e jovens.
Segundo o documento, a sustentabilidade ambiental, amparada pela Agenda 2030, deve ser a base para o relançamento da cooperação multilateral, particularmente nos países em desenvolvimento.
Desafios globais cruciais – como mudanças climáticas, mobilidade humana, pandemias ou luta contra fluxos ilícitos de capital – exigem novas formas de governança, sustenta o relatório. Segundo a ONU, a austeridade deve ser evitada, pois dificulta o investimento e o progresso tecnológico.
Políticas industriais e tecnológicas, na forma de um grande impulso para a sustentabilidade, devem ajudar a definir os países no caminho de crescimento com baixo carbono; promover empregos decentes e fazer a transição para energias renováveis; desenvolver recursos em saúde, tecnologias digitais e verdes; e reduzir a vulnerabilidade a novos choques.
Também deve-se ajudar a preservar a rica biodiversidade da região e apoiar a transição para sistemas agrícolas e florestais que sejam mais inclusivos e respeitem o direito das comunidades locais e dos povos indígenas às terras tradicionais.
A integração econômica regional é uma ferramenta importante para apoiar a diversificação produtiva, a resiliência econômica e a cooperação regional no financiamento de pesquisa, ciência e tecnologia.