Amazônia Legal perde mais de 3 mil km² de floresta no primeiro semestre de 2020
É o pior resultado para o primeiro semestre no mínimo da última década, lembrando que houve mudanças na metodologia do Deter em 2015. É ainda o segundo ano consecutivo de aumento do desmatamento na floresta desde a posse de Jair Bolsonaro, eleito com um discurso que acenava para madeireiros, grileiros e garimpeiros, principais agentes do desmatamento na Amazônia.
“Mesmo que não se queime nenhum metro quadrado na atual temporada de fogo, que vai até setembro – como espera o vice-presidente da República Hamilton Mourão ao propor novamente a moratória das queimadas na Amazônia Legal este ano –, o maior estrago já foi feito”, diz o diretor do WWF-Brasil para Conservação e Restauração, Edegar Rosa.
A reação no campo vai definir se toda a vegetação cortada vai se tornar cinzas. Caso isso aconteça, a fumaça gerada pela queima pode resultar em piora da poluição atmosférica e agravamento dos problemas respiratórios da população no auge de Covid-19. “O fato é que uma imensa parcela da floresta amazônica já está no chão”, afirma Rosa.
O desmatamento ocorreu em toda a Amazônia Legal, mas foi pior nos estados de Pará (1.212 km2), Mato Grosso (715 km2) e Amazonas (539 km2). Os municípios campeões do desmatamento foram os paraenses Altamira (351 km2) e São Félix do Xingu (201 Km2), seguidos por Apuí (155 Km2), no sul do Amazonas.
“Os alertas do Inpe foram registrados em propriedades privadas e terras públicas, mas o espantoso é que o desmatamento também ocorreu em Unidades de Conservação, nas quais deveria haver mais controle e rigor”, diz Mariana Napolitano, gerente do WWF-Brasil para Ciências.
As unidades de conservação mais desmatadas foram a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim e a de Altamira, a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós e a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, todas no Pará. O Inpe já vinha indicando alta de desmatamento nessas áreas. Mesmo assim, a fiscalização não chegou a tempo de evitar o desastre, embora o governo tenha acesso antecipado aos dados.
Reações
Historicamente crítica para o fogo na região, a temporada que vai de agora a setembro prometia repetir as chamas que tomaram conta da Amazônia no ano passado e escureceram o céu de São Paulo, torrando a imagem do Brasil no exterior. A reação de investidores estrangeiros e empresários brasileiros ao descontrole do desmatamento na Amazônia veio um ano depois.
No mês passado, 32 gestoras de investimentos internacionais, que mobilizam US$ 4,5 trilhões, apontaram em carta enviada a embaixadas brasileiras no exterior “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou oferecer serviços financeiros no Brasil” em consequência do aumento do desmatamento na Amazônia.
Esta semana, líderes de 38 grandes empresas e quatro entidades setoriais que atuam no país pediram em carta ao presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o vice-presidente Hamilton Mourão, providências contra o desmate, entre outras medidas que incluem descarbonização da economia e apoio a povos e comunidades tradicionais. Ontem (9), Mourão foi se explicar aos investidores durante videoconferência. O Senado também chamou o vice de Bolsonaro para dar satisfações ao Parlamento. O encontro será no dia 14 de julho, também por videoconferência.
Desempenho
Uma das dúvidas é quanto à eficácia da ação das Forças Armadas na Amazônia por meio de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no âmbito da operação Brasil Verde-2, uma reprise do ano passado, quando se tentou desde a proibição do fogo até ações mirabolantes de fiscalização que colocaram o Ibama – que tem autoridade para autuar, multar e apreender materiais usados em crimes ambientais – como coadjuvante na cena.
Mesmo o governo tendo anunciado R$ 60 milhões como “aporte inicial” para tocar a operação, o desempenho é visto com desconfiança. O Ministério Público chegou a pedir ao Tribunal de Contas da União (TCU) abertura de um processo para investigar a execução financeira da operação. Os procuradores querem saber se o dinheiro está sendo gasto “de modo a atender interesses públicos, com eficiência e responsabilidade”.
No início deste mês a imprensa revelou que a operação militar na Amazônia para reduzir o desmatamento havia empenhado – separado para o uso – somente R$ 2,3 milhões do orçamento, ou seja 3,8% do total planejado. Do valor empenhado, apenas R$ 454 mil já tinham sido efetivamente pagos, menos de 1% do montante.
Ainda segundo a imprensa, em comunicado enviado esta semana à sala de situação e controle do Ibama, agentes em campo informaram que, desde a última sexta-feira, 3, o Exército, por meio do 51º Batalhão de Infantaria de Selva, “suspendeu o apoio às ações de desmontagem das serrarias do município de Uruará (PA), conforme programação das ações da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) nesta região”.
A paralisação, confirmada pelo Ibama, desperdiça dinheiro público. Servidores pagam diárias de hotel e alimentação, mas não fazem o trabalho, enquanto as madeireiras desmontam bases para escapar da fiscalização. Antes da GLO na Amazônia, o Ibama, sem a tutela dos militares, conseguia desempenho melhor.
Foi o que ocorreu na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará. Alvo de grileiros desde 2017, a reserva chegou a perder 17 mil campos de futebol em floresta até o ano passado. Com ações de inteligência, os fiscais do Ibama conseguiram conter o crime. Agora o controle é dos comandados de Hamilton Mourão.