Bestialidade

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 07.03.2024

Eu andava distraído – acabara de jogar na megasena acumulada e sonhava com alguns milhares de reais – quando os esbravejos estridentes de um jovem me trouxeram de volta à realidade cotidiana.

Saindo com sacolas de um supermercado no bairro de Candeias um rapaz dirigia ofensas inaceitáveis a um funcionário que julgo ser segurança do estabelecimento comercial.

“Vá para as ruas prender ladrões, gente da sua cor”, gritava o jovem branco em fúria, num flagrante ato criminoso de racismo.

Foi tudo o que pude escutar, pois estava à distância e não assisti ao início dos ataques. Além disso, o agressor logo desapareceu.

A ira parece aflorar bem mais rapidamente quando o(a) outro(a) é uma pessoa negra. O preconceito logo explode com toda a bestialidade reprimida.

E o agressor não está nem aí para as consequências – se elas vierem -, mediante a impunidade; muito menos para as dores que dilaceram mentes constantemente aviltadas.

Não vi outros funcionários ou testemunhas.

De longe, pude observar o semblante entristecido e o sentimento de impotência do funcionário, um senhor negro que não soube mais o que fazer ante tamanha agressividade.

Me veio logo à memória o caso do motoboy negro que pediu ajuda à Polícia por ter sido esfaqueado por um homem branco em Porto Alegre (RS) e acabou sendo detido em flagrante, apesar dos muitos protestos de testemunhas que até apontavam o agressor que circulava livremente e somente bem depois foi também detido.

Ainda aturdido com a humilhação sofrida o funcionário se voltou e entrou na loja.

A poucos metros, taxistas conversavam animada e ruidosamente, alheios à constrangedora cena que se repete diariamente por esse Brasil afora.

E o que entristece mais ainda é que esses ataques racistas em muitos casos são protagonizados por pessoas jovens, mas com cabeça dos séculos 18 e 19.

E saber que há políticos querendo excluir as disciplinas Filosofia e Sociologia do currículo do Ensino Médio.

Pense!

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.

Ilustração – Desenho a lápis grafite de José Ambrósio dos Santos.