O que pensa Giosué?

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 14.03.2022

Há alguns anos assisti a um filme que emociona do início ao fim. A vida é bela, de Roberto Benigni, de 1997, retrata com muita ternura a atuação desesperada de um pai para proteger o seu filho de quatro anos de idade em um campo de concentração nazista em Berlim, na Segunda Guerra Mundial (1939/1945). Além de proteger o pequeno, o judeu italiano Guido faz de tudo para que seu filho Giosué sequer se dê conta de que eles na verdade são prisioneiros de guerra.

É comovente ver o esforço, a criatividade e o bom humor de Guido para fazer o filho acreditar que participam de uma brincadeira, mesmo em meio ao horror que o faz definhar ano após ano até a morte, ao final da guerra.

Giosué sobrevive e até acredita ter saído vencedor do jogo ao ser resgatado pelas tropas aliadas.

Mais de 1,5 milhão de crianças foram assassinadas pelos nazistas, sendo 1 milhão delas judias.

Entre 60 e 70 milhões de pessoas pereceram.

Dois em cada três judeus que viviam na Europa foram assassinados.

Um horror!

Algo inimaginável, mas aconteceu.

Foi tão brutal o Holocausto que o lado vencedor da Segunda Guerra Mundial fundou, ainda em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) para, entre outras grandes questões, assegurar a paz e a segurança no mundo.

Passados 79 anos, o mundo assiste estarrecido a vários massacres em várias partes do mundo.

Em Gaza, mais de 30 mil palestinos  já morreram nesses quase seis meses de guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

Do lado de Israel, cerca de 1400 perderam a vida, e muitas das vítimas pereceram sob intensa e inaceitável crueldade.

Entre os palestinos mortos, mais de dez mil são crianças. Há ainda milhares de crianças feridas e muitas estão mutiladas sem braços, pernas, algumas amputadas sem anestesia, o que faz com que elas prefiram a morte.

Muitas crianças já morreram de fome e agora recém-nascidos estão morrendo de desnutrição e desidratação.

Um horror!

Um horror que está acontecendo agora, infligido a um povo pelo Governo de Israel.

Giosué deve estar próximo dos 90 anos de idade. E, claro, deve acompanhar com muita atenção o que se passa hoje em Gaza, maior prisão a céu aberto do mundo.

Quantos pais palestinos assim como Guido tentam desesperadamente proteger seus pequenos que desde sempre sabem viver (ou sobreviver) uma guerra?

Quantas crianças como Giosué buscam desesperadamente abrigo em meio aos escombros, à artilharia e às bombas e mísseis que caem sobre uma área de apenas 41km de comprimento por 10km de largura onde vivem (sobrevivem) 2,3 milhões de palestinos? Agora menos alguns milhares, muitos deles soterrados.

E muitas dessas crianças tentam sobreviver sozinhas, sem abrigo, sem comida, sem água, sem medicamentos para os ferimentos, sem o calor de pais (mortos) como Guido.

A ONU, tão exitosa em seus vários eixos de atuação, se mostra impotente para estancar o conflito. E escancara a necessidade urgente de se rever a estrutura do seu Conselho de Segurança. Muitos de seus membros são verdadeiros mercadores da morte. Notadamente os que têm poder de veto em todas as resoluções (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) sempre têm algum interesse em um dos lados dos povos em conflito. E a matança continua, dando vida aos senhores da guerra.

O governo de Israel gasta um importante ativo que é a ojeriza do mundo ao Holocausto.

O mundo sabe tratar-se  o genocídio que abate palestinos diariamente uma ação do governo de Israel, e não do povo de Israel.

O mundo condena os crimes perpetrados pelo grupo terrorista Hamas no dia 07 de outubro de 2023 a Israel.

O mundo pede uma Palestina livre.

O que pensa Giosué?

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.

Ilustração: BBC