O silêncio dos inocentes

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 20.06.2024

Ontem saí para caminhar em companhia de Tobias pelas ruas de Ponte dos Carvalhos, distrito do Cabo de Santo Agostinho (PE). Fim de tarde agradável, temperatura amena, própria do pôr do sol dos dias de julho. A passos curtos, pois não tínhamos pressa e a caminhada não era daquelas que se faz com o propósito de exercitar-se. Apenas caminhar, contemplar, observar.

Chegamos à área comercial, vaivém intenso de pessoas, calçadas tomadas por comerciantes ambulantes, barulho de ofertas de produto. A melhor macaxeira. O melhor caranguejo e tantos outros. Impossível caminhar pela calçada. Pé fora da calçada, buzina estridente e, em alguns casos, desaforo de motoristas estressados. E Tobias nada reclama.

Aproximamo-nos de um supermercado e nas proximidades de alguns deles, final de tarde é como fim de feira. Calçada tomada por caixas descartadas, restos de frutas e verduras; embalagens de carne ainda com sangue e conservantes; cachorros disputando restos; mulher torcendo o nariz com criança olhando como sem entender a sujeira que parece não ser vista pela vigilância sanitária e limpeza urbana. E Tobias nada reclama.

Mais uma vez temos que caminhar pela rua congestionada, até em razão dos veículos estacionados irregularmente. Faixa amarela não tem qualquer significado. Guarda de trânsito, nem pensar. E Tobias nada reclama.

De volta à calçada, chegamos na chamada rua de lazer, daquelas destinadas somente a pedestres. Poucos metros, mas nos quais as pessoas precisam ficar atentas aos ciclistas e também aos motociclistas que circulam a todo instante, pondo em risco a segurança de quem caminha, principalmente crianças e pessoas idosas. Buracos no calçamento, canaletas abertas em alguns trechos, bancos de praça sujos. E Tobias nada reclama.

Ainda na rua de lazer, nas imediações da Praça Marcos Freire, jovens discutem os últimos acontecimentos do País: os protestos; a mudança da agenda política empreendida pelos governantes de modo a aplacar a intensidade e o ímpeto das manifestações populares por serviços públicos de melhor qualidade; ética na política, entre outras bandeiras que são de todos os brasileiros. E Tobias nem toma conhecimento.

Caminhamos mais e chegamos ao Parque dos Eucaliptos. Antes da entrada nos deparamos com galhos de árvores amontoados na calçada. Mais uma vez precisamos contornar e Tobias até se diverte pulando os obstáculos, sem nada reclamar. Tobias é o nome do meu cachorrinho poodle.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.

Nota: Esta crônica foi escrita em 26.07.2013, em Ponte dos Carvalhos. Tobias (foto) hoje está com 15 aninhos.