Qual é o seu sonho?(2)
José Ambrósio dos Santos*
Em 21.06.2024
Homenagem à minha netinha Letícia que hoje comemora nove anos de idade e, aos quatro anos e meio, me perguntou qual era o meu sonho.
Fui surpreendido em janeiro deste ano com uma pergunta que considero muito interessante da minha netinha Letícia.
– Qual é o seu sonho, vovô?
Não sei se é exagero de vô que ama mais do que 30 mil vezes um prédio em cima do outro, como ela gosta de falar acerca do amor que sente pela família. Moro no 13º andar de um prédio de 25 andares em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. Ela tinha apenas quatro anos e meio.
Respondi que o vovô tinha muitos sonhos, sabendo que não a satisfaria. Não deu outra! Voltou a perguntar, agora com maior ênfase e com um sorriso do tipo ‘peguei você’.
– Qual é o seu sonho, vovô?
Completei 63 anos de idade no dia 1º de janeiro e já realizei muitos sonhos. E, claro, tenho ainda muitos sonhos. Sim, claro, tenho muitos sonhos, embora saiba que nesse ponto da estrada muitos já penduraram as chuteiras, jargão muito utilizado, sei disso. Há pouco tempo, chegar aos 60 já era um sonho.
Sim, tenho muitos sonhos. Os sonhos relativos à prosperidade da família, de parentes e amigos. Os sonhos ligados à minha atividade profissional, entre eles a publicação de alguns livros. Tem alguns títulos nos quais venho trabalhando desde setembro do ano passado, quando lancei o livro que conta a história da Rádio Comunitária Calheta FM – 20 anos fazendo valer os direitos do povo cabense. Tentando destravar alguns, avançando em outros, reprogramando os que já estavam adiante, por compreender que nem sempre as informações nos chegam no tempo desejado ou estimado, considerando a questão da viabilização da edição, ainda mais agora, com a pandemia do novo coronavírus.
Sonhos de justiça social, igualdade, equidade, liberdade, solidariedade, tolerância, compreensão, fraternidade. Tempos difíceis, muito difíceis.
Mas, como explicar isso a uma criança de quatro anos e meio?
– Qual é o seu sonho, vovô?
Lembrei-me dos sonhos desfeitos de crianças, jovens e adultos vítimas da violência que assola Pernambuco e o Brasil. Também dos sonhos de milhares de adolescentes que se encontram enjaulados em unidades de “ressocialização”. Muitos nem conseguem sair. São mortos por rivais ou encontram o ponto final de suas curtas existências durante rebeliões motivadas pelo sonho da liberdade, mesmo que para viver se escondendo, fugindo, sem sonhos, quando conseguem escapar. Quais os sonhos que povoam a mente desses garotos que em geral tiveram infância sofrida, desrespeitada, violentada, inclusive, em muitos casos, por familiares?
Mas, como explicar isso a uma criança de quatro anos e meio?
Percebendo meu embaraço, minha netinha decidiu facilitar:
– Qual é o seu sonho para hoje de noite, vovô?
Respirei aliviado.
Disse que o meu sonho para aquela noite era que ela dormisse na casa do vovô.
Sorrindo, Letícia disse que a resposta não valia, mas, aí, com outras pessoas na sala – a vovó Edna e a tia Juliana – ela perdeu o foco.
Pouco depois disse que o sonho dela era ser médica, para cuidar das pessoas. A abracei e disse que o sonho dela era muito, muito lindo.
E você, qual é o seu sonho?
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e integrante da Academia Cabense de Letras.
Esta crônica foi publicada primeiramente no dia 03.10.2020.
Parabéns, Ambrósio! Linda essa crônica que fala de amor e emoção e que é todo coração! E diz da simplicidade, da singeleza e da utopia infantil!
Obrigado, amiga Vera Rocha. As crianças são sempre lindas e inspiradoras.
Ambrósio é um escritor com cacoete de jornalista, isso gera no público dele um cacoete em resposta de querer lê-lo todo dia como um cronista de jornal. Essa reedição de crônicas que imagino ele próprio goste muito, e que por reflexo encantam seu público leitor.
Isso, amigo Rodolfo. Há crônicas de vários anos que estão muto atuais, em muitos casos, de modo lamentável, o que reforça a oportunidade da reedição. Outras que exaltam a vida, as coisas do coração, dos sonhos que nos movem. E essas são sempre gratas e construtivas lembranças.
Que harmonia tão linda entre o avô e a netinha! Parabéns, Ambrósio, por tão belo e poético texto!
É, amiga Jô. Temos uma lida sintonia. O amor do vô!
Muito bom, camarada. Parabéns e vamos atrás dos nossos sonhos