Vou dar um tempo

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 10.07.2024

Iniciei este texto marcando o tempo (tic-tac), mas depois esqueci para não ficar olhando o relógio na base do notebook e pensando no tempo. Até porque, o tempo não está nem aí.

Ao perceber que o amigo Dorgival Soares da Silva estava rareando as postagens em seu blog balaiocaotico.com, lhe perguntei a razão. Ele respondeu textualmente: “Estou de fastio!” Explicou que há um mês não publicava nada e arrematou, com um sorriso: “Estava ficando dependente.”

Natural de Vitória de Santo Antão, Dorgival é administrador de empresas. Está radicado em São Paulo desde a década de 1980. Um amante da literatura. Sua biblioteca reúne em torno de 16 mil títulos, entre eles, quatro de minha autoria (se deles não se desfez). Um intelectual admirado por muita gente. Seu texto é refinado, recheado de informações, instigante, irônico e até provocativo.

Ele até já publicou neste blog falouedisse.blog.br.

Conhecendo o seu estilo e após ver vídeo por ele enviado via Whatsapp no qual o ex-presidente Bolsonaro entrega um ‘regalo‘ ao presidente da Argentina, Javier Milei – algo parecido com uma medalha -, lhe sugeri um título para uma crônica: Diplomacia de cabaré. É que arranhando um ‘portunhol’, seu filho deputado federal Eduardo Bolsonaro descreve o ‘regalo’: diz que Bolsonaro é imorrível, imbrochável e incomível.  Uma pequena plateia ri, incluindo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Uma mulher que não sei identificar aparenta descontração.

Mas Dorgival insistiu: “Vou dar um tempo!”

Ora, não temos tempo para dar um tempo. Se a inquietação nos desafia é porque a criatividade e o dizer nos desafiam.

Fiquei um bom tempo pensando naquela frase: “Vou dar um tempo.”

Até que, sem mais perda de tempo, passei a escrever sobre o tempo.

Escrever é algo que o tempo nos ensina. Pois é com o tempo que adquirimos conhecimento, experiência. E esse conhecimento e essa experiência precisam ser repassadas, levadas adiante, e a literatura é um importante veículo, há muito tempo. De muitas pessoas, escrever é até uma cobrança que muitos fazem.  De muita gente se aguarda a próxima reportagem, o próximo livro, a próxima poesia, o próximo conto, a próxima crônica.

Maior cronista do Cabo de Santo Agostinho nas últimas quatro décadas, o escritor, poeta, contista, compositor e professor Douglas Menezes – falecido na Quarta-feira de Cinzas de 2020 -, tinha um “…desejo de dizer sempre”, como escreveu em Essa crônica vontade de dizer.

De modo que a dependência por escrever é algo de muito bom. Não se cultiva um hábito quando se sabe que ele não agrada. Não estou dizendo que os aplausos estão sempre presentes. Claro que não! É claro que tudo que se escreve tem também oposição. Na escrita a pessoa exprime sentimentos, convicções, visões de mundo, pontos de vista. Não tem como ser de outra forma. Sim, no exercício do jornalismo a imparcialidade é devidamente exigida. Mas, mesmo aí, a bagagem cultural se apresenta de alguma forma.

Iniciei este texto marcando o tempo (tic-tac), mas depois esqueci para não ficar olhando o relógio na base do notebook e pensando no tempo. Até porque, o tempo não está nem aí.

Em tempo:

Não se pode dar tempo, pois o tempo é livre, sem lenço, sem documento.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista, escritor e integrante da Academia Cabense de Letras.