Ofertas e bençãos

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 02.08.2024

Ouviu que estavam sem dinheiro em espécie e logo pediu que conduzissem a trindade à pizzaria.

A menina de cerca de oito anos de idade acompanhava com relativa atenção a pregação do religioso em uma igreja de Boa Viagem, Recife. Sentada entre a mãe e o pai, sabia que em pouco tempo sairia para uma pizzaria e estava mais ou menos tranquila.

Uma movimentação inesperada por parte de fiéis, entretanto, lhe chamou a atenção. Gente com celular fazendo leitura de QR Code exposto nos bancos. Ao mesmo tempo, senhoras com espécies de urnas recolhendo ofertas financeiras.

Um misto de incredulidade, espanto e indignação tomou conta da menina ao ver as pessoas colocando dinheiro nas urnas:

– E tem que pagar para entrar aqui, mamãe?

Abraçando a filha, a mãe tentou explicar as doações falando baixinho (inaudível), procurando encerrar logo a conversa, pois duas senhoras já as olhavam com aspecto severo de reprovação.

Apesar do bombardeio diário de informações, aquela criança ainda desconhecia o lucrativo mercado da fé, impulsionado com a Teologia da Prosperidade.

O sucesso ou prosperidade e a felicidade do fiel estão atreladas aos valores doados. Quanto maior a doação maior a probabilidade de se alcançar a graça.

Simples assim.

A prática é tão acintosa que há ‘guias’ espirituais vendendo terrenos no céu.

São muitos os inescrupulosos recursos utilizados pelos mercadores da fé.

A exploração é tamanha que alguns religiosos recomendam que os fiéis recorram a empréstimos para aumentar suas ofertas a Deus e assim obter mais bênçãos.

Algo impensável e condenável para muitos, mas aceito como verdadeiro e legítimo por outros tantos.

Receita infalível para a prosperidade dos mercadores – digo, religiosos -, daí a explosão de abertura de templos pelo Brasil é mundo afora.

Um fabuloso negócio que se alimenta principalmente de gente que ‘deposita’ suas esperanças em pessoas pouco confiáveis e que assim agindo prejudicam os autênticos religiosos que se dedicam diariamente e a vida inteira a seus rebanhos.

À saída da igreja e a caminho da pizzaria a menina avistou um casal e uma criança sob uma árvore, próximo a um semáforo, à espera de ‘ofertas’. A menina então pediu dinheiro aos pais para dar aos pedintes.

Ouviu que estavam sem dinheiro em espécie e logo pediu que conduzissem a trindade à pizzaria.

Feito.

E a menina voltou feliz para casa.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista, escritor e integrante da Academia Cabense de Letras.

Imagem: Internet