O adeus a dona Cecita

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 20.09.2024

Na correria do dia a dia, quem não parava para falar com ela a cumprimentava mesmo da calçada do outro lado da rua. Recebia um sorriso e um aceno que se entendia como um “vai com Deus” meu filho, minha filha.

Todo mundo a conhecia e ela conhecia todo mundo que passava mesmo que esporadicamente pela Rua da Matriz, na parte alta e antiga do Cabo de Santo Agostinho, onde residia a poucos metros de distância da Igreja Matriz de Santo Antônio, uma extensão da sua casa.

Todo mundo queria ter ‘um dedo de prosa’ com aquela mulher que costumava ficar à janela, literalmente a emoldurar a sua beleza. A beleza física e a beleza espiritual.

Uma linda mulher. Um ser de muita luz.

Todo mundo recebia carinho e mensagens de fé e esperança. E todo mundo retribuía o carinho.

Na correria do dia a dia, quem não parava para falar com ela a cumprimentava mesmo da calçada do outro lado da rua. Recebia um sorriso e um aceno que se entendia como um “vai com Deus” meu filho, minha filha.

Foi assim durante décadas até que nos últimos anos a janela perdeu o papel de moldura. A franciscana Maria da Conceição Gomes de Assis, conhecida como dona Cecita, adoeceu e, com o agravamento, precisou mudar de endereço. Foi morar com a filha Lúcia em Piedade, Jaboatão dos Guararapes.

No ano passado, juntando informações para o livro Armínio da Paz, entrevistei dona Terezinha Mendes. Ela me contou que ao casar-se foi morar bem pertinho de dona Cecita. Religiosa e depois também franciscana, ainda não a conhecia. Alguém lhe disse para ir à missa e que a mulher mais bonita que ela encontrasse poderia estar certa de que era dona Cecita. O reconhecimento foi imediato, assim como a identificação. Tornaram-se grandes amigas.

Dona Cecita durante entrevista no ano passado para o livro Armínio da Paz. Foto: Marcelo Ferreira.

Tive um breve encontro com dona Cecita há cerca de um ano, em Piedade. Amiga de Arminio Guilherme dos Santos – o Armínio da Paz – e da sua esposa Antônia Severina dos Santos, ela também precisava ser ouvida. Como franciscana, dona Cecita acompanhava de perto e apoiava a ação humanitária e evangelizadora de Armínio e Antônia. Aos 90 anos de idade, debilitada e com pouca audição, tocou no peito e juntou as mãos envoltas em um crucifixo, como em prece, ao ouvir os nomes de ambos pronunciados por sua filha Lúcia, bem pertinho do ouvido direito.

E ela disse:

“Armínio tinha o coração maior do que o mundo. Viveu para ajudar o povo pobre, assim como Antônia.”

Ontem, depois de 91 anos de extensa jornada, o coração de dona Cecita pediu parada. Os carinhos e os ensinamentos que distribuiu em vida seguirão na memória e no coração das muitas pessoas que tiveram o privilégio de com ela estar mesmo que por breves momentos.

A foto dela na janela também.

*José Ambrósio dos Santos é jornalista, escritor e integrante da Academia Cabense de Letras. 

Imagem destaque: Dona Cecita conversa com o artista plástico João Brito. Foto do acervo de João Brito.