Coqueiros de Gaibu

Por

Douglas Menezes

Em 25.09.2020 (em memória)

Sonolento esse olhar mortiço da mulher quase menina. De onde vem esse sono o dia todo presente? Coqueiros, por que ela olha assim, como se estivesse fora da vida, num mundo surreal? Olha para o infinito e cheira; e olha triste para o oceano, como a esperar alguém vindo do mar. Talvez um marujo para salvá-la da tempestade dessa existência. E agora caminha; e agora encontra outros zumbis; e agora esbarra nas grávidas de Suape que são muitas, como ela, cheirando e cheirando essa pedra, único sentido de uma vida vã.

Minha Gaibu não era assim, coqueiros.

Cantei na ilusão do paraíso eterno, o vento que fazia amor no corpo da morena namorada e eu sentia ciúmes da natureza. E eu conversava com esse mar; e eu subia às pedras; e eu avistava os navios e vislumbrava a paisagem de beleza renovada num cenário de fazer poesia. E tinham as jangadas partindo e tinham as jangadas chegando. O colorido das velas  para completar a vista já saturada de coisa bela.

Ah! Coqueiros. Para onde foi a minha Gaibu?

Foi galopando no progresso insano dos morros favelados, dos desempregados sem rumo, do poder não exercido por quem devia. Tudo difícil agora de se refazer.

Foi-se o tempo das agulhas fritas, do cheiro bom misturado à maresia, do vento da noite cantando alegre, sensual, do amor bem feito com calma e da luz quase nenhuma protegendo quem amava.

Onde, coqueiros, estão os cajus e manguitos que inebriavam as narinas e o paladar daquele jovem cada vez mais surpreso com a estonteante claridade do lugar? Onde o som madrugada adentro do Forró de Bracinho; festa ordeira com todas tribos, nativos e visitantes? Cadê, coqueiros, a minha viola mal tocada, enchendo a madrugada de uma voz rouca, plangente, mas quase feliz?

O que resta da minha praia, coqueiros?

Talvez o azul do mar, como um fio de esperança. Talvez um futuro diferente para essa mulher quase menina, sonolenta; sereia sem canto, a caminhar, a caminhar encontrando outras de barrigas cheias de crianças procurando pais.

Por enquanto agora, coqueiros, apenas essa lembrança que me sustenta a vida. A canção que um dia fiz sonhando em ter asas, viajando com a morena da fantasia ingênua sobre o mar de Gaibu. Sonhando com o amanhecer de brisa e ondas leves que vão e não retornam. O pensamento, no entanto, pergunta, na repetição monótona: coqueiros, onde anda minha praia?

NOTA DO EDITOR

Com a publicação da crônica Coqueiros de Gaibu, o blog Falou e Disse dá sequência às homenagens àquele que é considerado o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho (PE) nas últimas três ou quatro décadas. Professor, poeta, escritor, um operário das letras, Douglas Menezes completaria 67 anos de idade no dia 23.09, mas se despediu da cidade e da gente que tanto amou no dia 26 de fevereiro deste ano, na Quarta-feira de Cinzas,

A crônica Coqueiros de Gaibu ocupa as páginas 76 e 77 do livro Uma canção, por favor, último livro de crônicas publicado por Douglas Menezes, em agosto do ano passado. São 46 crônicas que o blog publicará a cada dia. A homenagem foi iniciada no dia do seu aniversário (23.09), com a publicação da reportagem Douglas Menezes, um operário das letras.

Fotos: Praia de Gaibu, Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco, 1960/Alcir Lacerda