Para que serve um bilionário?
Eugenio Jerônimo*
Em 26.09.2020
Uma revista especializada no assunto acaba de publicar a relação dos mais ricos do Brasil. A fortuna dessa turma se conta em três fileirinhas de três zeros cada uma, ou seja, trata-se de um patrimônio bilionário. Portanto, não é de brincadeira, mas não deixo de ver infantilidade nesse ranking e nessa competição.
Ocorre-me uma comparação. Ao final da temporada de bola de gude, que na linguagem do meio da rua é simplesmente chimba ou bila, os meninos se juntavam na calçada para apurar quem havia acumulado mais bolas de vidro no período. Se o valor das bolas de gude era unitário e incontroverso, o mesmo não acontecia com as rolimãs. Essas esferas de ferro eram cotadas em bola de gude, de acordo com seu tamanho, aparência, peso e potencial de impacto no arremesso. Mensuradas numa unidade de medida especial, o teco. Uma rolimã valia tantas chimbas a quantos tecos correspondesse. O problema é que a equivalência se baseava em critérios um tanto subjetivos. O dono superavaliava a bolinha, enquanto os concorrentes a desvalorizavam. Só uma comissão conseguia estabelecer um parâmetro razoável. Então, havia meninos que esparramavam no cimento saldo de mais de cem bolas de gude, um exagero, se na modalidade de jogo mais praticada não precisavam de mais de uma. Mesmo se o jogo fosse apostado, a oscilação dos humores dos resultados garantia que o patrimônio do perdedor não fosse severamente afetado.
Como os meninos que reuniam em latas de leite às vezes centenas de bilas, os bilionários têm muito mais do precisam para jogar a vida e se divertirem. Se dá um desvirtuamento da brincadeira, o objetivo deixa de ser o jogo e passa a ser o elemento com que se joga.
Quem lidera a lista dos bilionários é um banqueiro. Os não iniciados em finanças como eu não devem ser censurados se perguntarem que trabalho tão meritório executam os apascentadores de grana para acumularem tal volume de riqueza.
O segundo colocado no ranking produz cerveja. Embora essencial para o lazer de muitos, a bebida não tem esse glamour todo. Pelo menos não tem cara de bilhões. Pode ser somente opinião de quem não manja de mercado.
Imagine a fala durante o almoço na casa, aliás, na mansão, de um empresário que perdeu uma posição na lista dos superricos em relação ao ano anterior.
Imagine a fala durante o almoço na casa, aliás, na mansão, de um empresário que perdeu uma posição na lista dos superricos em relação ao ano anterior.
— Coma. Você precisa reagir. Você perdeu apenas por um bilhão de reais. Isso não é nada. Ano que vem, volta a superá-lo. É do jogo.
Aqui e ali a gente fica sabendo que o bilionário tal ou qual destinou verba para alguma ação de relevância social. Pesquisa de algum remédio. Conservação de determinada área do meio ambiente. Manutenção de entidades que cuidam de crianças. Mas, embora nominalmente expressivos, os valores representam pouco mais que centavos no patrimônio desses hiperbólicos ricos.
Penso nesse assunto enquanto volto para casa após mais uma jornada. Interrompo o pensamento para maldizer o engarrafamento. Em frente a um prédio residencial, o trânsito se complica. Ao invés da habitual carroça do catador de papel, há duas carroças e mais um catador. Retorno ao assunto que interrompi:
— Para que serve mesmo um bilionário?
*Eugenio Jerônimo é escritor. Autor de Aluga-se janela para suicidas (2009, contos); Gramática do chover no Sertão (poesia, 2016); O que eu disse e o que me disseram – a improvável vida de Geraldo Freire (2017, biografia – em coautoria). Escreve aos sábados.
Foto destaque: andrebona.com.br