Setembro Amarelo
Mirtes Cordeiro*
Em 28.09.2020
Estava eu no carro e, com o hábito de ouvir as notícias matutinas, sintonizei uma estação de rádio que apresentava um debate sobre o suicídio. Entre os debatedores, membros da Associação de Psiquiatria preocupados com o índice de suicídios no Brasil e no mundo, resultado não apenas das doenças mentais crônicas, mas também dos problemas psicológicos resultantes da vida nesta sociedade que o ser humano inventou.
Na verdade, o debate fazia parte da agenda Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. O mês de setembro foi escolhido para a campanha porque, desde 2003, o dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Durante o mês da campanha, costuma-se iluminar locais públicos com a cor amarela, além de estabelecer uma agenda com atividades que promovem ações preventivas e lançam à sociedade de modo geral a incumbência da vigilância permanente dentro das famílias e o desenvolvimento da solidariedade e proteção para com aquelas pessoas que manifestam o desejo de por fim à sua vida.
Chamou a minha atenção os dados estatísticos apresentados. Mesmo sem dominar o assunto achei que seria bom pesquisar e contribuir com este debate, já que é uma questão que vem acontecendo mais intensamente entre os jovens de 14 a 29 anos, e os idosos acima de 65 anos.
Segundo a Associação Nacional de Psiquiatria, um milhão de pessoas praticam o suicídio anualmente no mundo, o que é considerado um grande contingente populacional.
São registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil, o que equivale a 31 casos por dia, mais de um a cada hora. Trata-se de uma triste realidade que vem se agravando cada vez mais, principalmente entre os jovens.
Suicídio é o ato intencional de matar a si mesmo. “Sua causa mais comum é um transtorno mental e/ou psicológico que pode incluir depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, alcoolismo e abuso de drogas. Dificuldades financeiras e/ou emocionais também desempenham um fator significativo. Albert Camus escreveu certa vez: “O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo. Decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia (DICIONÁRIO PORTUGUÊS, 2017)”
Enquanto os índices de suicídio caem em todo o mundo, a taxa entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras aumentou 24% entre 2006 e 2015, informa pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, indica que o suicídio é até três vezes maior entre jovens do sexo masculino.
Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. No entanto, o suicídio resulta normalmente da interação de vários fatores, geralmente incluindo a depressão
O suicídio resulta normalmente da interação de vários fatores e geralmente inclui depressão, descrita como um sentimento de tristeza ou desencorajamento que resulta de eventos emocionalmente estressantes relacionados a perdas significativas para a vida da pessoa.
Normalmente figuram como eventos detonadores da depressão a perda de ente querido, doença séria e desastres ambientais que apresentam grandes dificuldades para moradores da região.
Também é comum que a depressão surja com o desemprego, redução da renda familiar, o surgimento de dívidas, doenças como câncer, demências e mal de Parkinson
Vivemos num mundo inteiramente exposto às inseguranças que conduzem a situações indutoras ao suicídio. Por isso mesmo devemos nos preocupar com a permanente busca em construir diálogos com o outro, abrir a porta para uma conversa, construir pontes afetuosas por onde deve passar a solidariedade.
Ninguém se mata porque quer, mas porque é impulsionado por questões que conduzem a pessoa ao desespero.
Segundo estudos da UNIFESP, a taxa entre jovens entre 10 e 19 anos aumentou 24% nas seis maiores cidades brasileiras: Porto Alegre, Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto cresceu 13% no interior do país. O aumento contrasta com a evolução dos índices de suicídios no resto do mundo, que caíram 17% no mesmo período.
No Brasil, a cidade com maior taxa de suicídio é Belo Horizonte: 3,13 para cada 100 mil habitantes em 2015. É seguido por Porto Alegre (2,93), São Paulo (2,44), Rio de Janeiro (1,52), Recife (1,23) e Salvador (0,23). Na média, o aumento do índice foi de 24%, ao subir de 1,60 para 1,99 entre 2006 e 2015. Ao todo, 20.445 adolescentes tiraram a própria vida naquele ano.
A pesquisa indica que a chance de um adolescente do sexo masculino tirar a própria vida é até três vezes maior do que uma adolescente mulher. Até 13 anos de idade, as taxas são iguais. A partir daí, começa a diferenciação. “As garotas tentam se matar mais, mas as tentativas dos meninos são mais letais.” Além disso, “os meninos têm menos habilidade em lidar com o sofrimento emocional causado pela depressão”. “Eles tendem a ser mais impulsivos, apresentam mais agressividade, estão mais expostos ao uso de álcool e drogas e buscam métodos mais letais.”(Professor Jair de Jesus Mari)
O coronavírus está afetando a saúde mental de muitas pessoas, alerta a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Estudos recentes mostram um aumento da angústia, ansiedade e depressão, especialmente entre os profissionais de saúde. Além deles, a população de modo geral, durante o isolamento social, vivenciou situações de aumento da violência doméstica, transtornos por consumo de álcool, abuso de substâncias e sentimento de perda, fatores importantes que podem aumentar o risco de uma pessoa decidir tirar a própria vida.
A internet também tem sido estudada como um instrumento indutor de suicídio em adolescentes, como o caso do jogo da Baleia Azul.
Setembro Amarelo tem a finalidade de desmistificar, descortinar e conscientizar a sociedade acerca de um assunto que tem sido silenciado por centenas de anos, devido aos tabus e crenças incorporadas a ele ao longo da história.
A campanha tem o objetivo de tornar a sociedade mais consciente de que o problema sempre existiu e ainda existe, vem tomando proporções alarmantes no mundo e no Brasil, atingindo sobretudo pessoas mais vulneráveis na sociedade, jovens e idosos.
Amarelo é a cor da Campanha em alusão a um suicídio ocorrido em 1994 nos EUA. O ato foi cometido por Michael Emme, um jovem de 17 anos que era apaixonado por seu carro, um Mustang amarelo, e seus pais criaram um movimento de prevenção e cuidado com os jovens.
Antigamente, na cidade de Ipu (CE), onde nasci, as pessoas que praticavam o suicídio eram condenadas pela igreja católica, porque no entendimento de sua doutrina, a vida só pode ser tirada por Deus. Eram enterradas num cemitério à parte, não tinham direito aos atos religiosos e se tivessem posses, essas passavam para o Estado, retirando o direito dos herdeiros. A família ficava amaldiçoada para a eternidade… Assim, durante muito tempo, tabus e mitos envolveram atitudes tomadas pela sociedade diante do sofrimento de determinadas pessoas.
No momento atual, mais do que nunca, é fundamental que trabalhemos juntos para prevenir o suicídio”, destacou o pesquisador Renato Oliveira e Souza. Neste sentido, a “OPAS está trabalhando com os países das Américas para fortalecer os sistemas de saúde que contam com poucos recursos, de modo a fazer frente ao aumento de casos de saúde mental e para manter a continuidade dos tratamentos das pessoas com problemas de saúde mental e uso de substâncias.”
Manuel Bandeira, poeta pernambucano, gostava de refletir sobre a morte em seus escritos. Em um momento, baseado numa notícia de jornal em que João, traído pela mulher, morrera afogado, escreveu o poema:
“João era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num Barracão sem número.
Uma noite ele chegou no Bar Vinte de Novembro
Bebeu… Cantou… Dançou…
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. ”
Virou poema modernista
O mundo avançou. Atualmente o suicídio é uma questão de Política Pública.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga. Escreve às segundas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.
Muito bom e bem informativo!
Trás dados atuais e chama a atenção pra um problema que ainda não é considerado como prioritário na execução da política pública de saúde mental.
Parabéns Mirtes pela escolha do conteúdo e pela forma!!
Provoca reflexão de todos para quem está mais próximo do coração e distante da atenção
Comportamento que temos por simples comodidade e pela desculpa da rotina diária
Parabéns Mirtes pela temática escolhida. Atual, preocupante e traz informações e dados que precisam ser divulgados à população sobre a saúde mental.
A temática tradicionalmente abordada no mês de setembro é uma qtão recorrente dos que perdem a esperança, em qualquer tempo, por isso, meu aplauso a Prof. Mirtes.
Esse é um assunto, extremamente preocupante, porque atinge todas as faixas etárias ,até porque muitas pessoas próximas sofrem algum tipo da reflexão que o artigo nos apresenta ,entre elas a depressão que muitos acham que é uma besteira, que não se trata de doença, quando na verdade é um caso muito grave.Parabens pelo artigo informativo, Maria Mirtes.