Pirapama

Por

Douglas Menezes*

Em 28.09.2020 (em memória)

Faz tempo, menino ainda, conheci Pirapama.

Jeito banzeiro, lugar bucólico, vida passando lenta com cheiro de mato molhado. Aroma forte de frutas diversas. Canto poético do rio que leva o nome da vila de operários tecelões e de pequenos agricultores, daquele tempo de comunidade cercada de engenhos. Ar puro e povo vendo passar o tempo devagar.

Lugar tão cercado de verde, a possuir, por conta da vastidão da natureza, um clima diferenciado da cidade. Um frio molhado a espantar o calor dos verões demorados do Cabo de Santo Agostinho.

A sirene do Cotonifício José Rufino era a canção a ser ouvida., décadas por décadas por aquele povo a viver ao redor da fábrica que dava sustento à maioria da gente, de índole boa e vocação para harmonia musical. De tanto ouvir os pássaros canoros de suas matas e das margens do seu rio, Pirapama produziu músicos a enriquecer o patrimônio cultural do Cabo.

Produziu poetas. Produziu um pouco da humanidade absorvida pela cidade que crescia com aquele patrimônio intacto. Aquele paraíso a ouvir o canto poético das águas a dizer ser possível harmonizar gente e natureza.

Eu vi isso na infância e juventude. Achava ser eterna aquela ternura sentida por Pirapama. Aquela terra parecendo paisagem do escritor José Lins do Rego, sem ter alguém para contar a sua história. Tão bonito o lugar, a parecer quadro de um pintor famoso.

Mas o tempo passa e o tempo é cruel. Ainda mais num país, onde o passado não se preserva, nem é valorizado. Pirapama é só uma foto antiga. Porque se desordenou. Juntou gente de todo canto. Sem raiz, sem apego, a desdenhar o que passou na ânsia de apenas habitar e trazer a urbanização sem freio.

A passar por cima do que se poderia sustentar em um amontoado de casas, como qualquer lugar mal crescido do Brasil. E com isso a violência, o medo, o desconhecer de uma vivência humana, solidária.

Um salve-se quem puder que faz doer, ferida exposta a não cicatrizar nunca.

Não conheço mais Pirapama, a não ser nessa memória que tento reter, a relembrar o que findou. Pirapama é uma foto antiga a perpetuar minha desesperança.

NOTA DO EDITOR

Com a publicação da crônica Pirapama, o blog Falou e Disse dá sequência às homenagens àquele que é considerado o maior cronista do Cabo de Santo Agostinho (PE) nas últimas três ou quatro décadas. Professor, poeta, escritor, um operário das letras, Douglas Menezes completaria 67 anos de idade no dia 23.09, mas se despediu da cidade e da gente que tanto amou no dia 26 de fevereiro deste ano, na Quarta-feira de Cinzas,

A crônica Pirapama ocupa as páginas 87 e 88 do livro Uma canção, por favor, último livro de crônicas publicado por Douglas Menezes, em agosto do ano passado. São 46 crônicas que o blog publicará a cada dia. A homenagem foi iniciada no dia do seu aniversário (23.09), com a publicação da reportagem Douglas Menezes, um operário das letras.

Foto destaque: Rio Pirapama, tendo ao fundo instalações e chaminé do Cotonifício José Ruino.