Negacionismo + terraplanismo – menos ciência = obscurantismo

Por

Ayrton Maciel*

Em 04.10.2020

É uma equação matemática. Quantidade de negacionistas, agrupamento de terraplanistas, número de pregadores da anticiência, soma-se e subtraí-se e temos uma perigosa nova “idade das trevas”. A ignorância, o fanatismo, a crença no sobrenatural e nas escolhas e determinações que vêm de onde não conhecemos, soma-se, subtraí-se e divide-se pelo radicalismo, e temos uma sociedade intolerante e inevitavelmente rachada, liderada por obscurantistas.
Os desdobramentos não são diferentes dos desafiados ou procurados. O presidente dos EUA, o republicano Donald Trump, encontrou o que tanto desafiava. Antes dele, o conservador primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, zombou, desafiou e infectou-se. Mudou de opinião depois de uma UTI. O extremista presidente Jair Bolsonaro riu, apelidou de “gripezinha” e contagiou-se. Mudou de postura após infectar a família, constatar que a cloroquina não salva e cumprir 14 dias de isolamento.
Trump tem agora tempo para refletir. Segundo suas interpretações sobre a China, o vírus e o mundo, pode ser que, finalmente, o objetivo chinês tenha sido alcançado (ele contaminar-se). Conforme insinua Trump, o coronavírus – que ele pejorativa e provocativamente chama de “o vírus chinês” – faz parte do plano da potência asiática de hegemonia no mundo, um domínio a partir da queda e quebra das demais potências. Versão que é compartilhada por admiradores extremistas ao redor da Terra (sim, porque a Terra não é plana, garante Iuri Gagarin).
O coronavírus tem sido a maior contestação do negacionismo em uma “era das trevas” moderna. A Covid-19 contraria a negação da ciência – o movimento dos antivacinas, os propagadores de remédios sem comprovação de cura, os que fraudam as provas e a história, como exemplos – e desacredita os que, por irracionalidade ou estratégia ideológica, cultivam o obscurantismo. O coronavírus está aí para jogar luz numa “era de estupidez”.
Negar a realidade para alcançar interesses próprios, rejeitar conceitos incontestáveis e consensos científicos para favorecer a ideias políticas radicais ou teológicas fundamentalistas, crer em teses contestadoras – como o terraplanismo – por ser obscurantista (averso à razão e ao progresso) e intolerar a diversidade de ideias e a evolução dos costumes. Eis a combinação comum de uma “era de trevas”. Quem assim pensa e age, inevitavelmente vê a educação das massas e o desenvolvimento intelectual e material como ameaças, como a subversão da ignorância.
Os que promovem os movimentos antivacinas e anticiência, os que tomam a ciência como oposição a Deus, os que se acham escolhidos e têm suas tarefas como missões, os que colocam as vontades, os acontecimentos e os impedimentos nas mãos de Deus, os que rejeitam o conhecimento por ser libertador, esses sempre estarão obstruindo a caminhada da humanidade. O custo será sempre também o de guerras, pragas e divisões.
*Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Escreve aos domingos.
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Foto destaque: noticias.uol.com.br