Linguagens do amor

Por

Vera Lúcia Braga de Moura*

Em 08.10.2020

O amor é uma energia curativa. É um sentimento que alimenta a nossa alma e que nos dá a ideia de pertencimento, de aceitação. A linguagem é a capacidade que os seres têm para se comunicarem uns com os outros. Quais linguagens nós emitimos para comunicar que amamos? Todo ser humano tem suas singularidades e formas de pensar, sentir e agir no mundo. Como seres relacionais, cada pessoa tem um jeito de se expressar, de comunicar os seus gostos, suas formas de conceber as coisas, a vida nas relações interpessoais.

Quando comunicamos amor a uma pessoa devemos estar atentos ao tipo de linguagem que estamos expressando, porque cada pessoa tem uma forma específica de conceber, entender, expressar e sentir o amor. A singularidade do sujeito, sua identidade, forma e jeito de ser deve ser considerado, bem como o respeito pela diversidade, as diferenças e as nossas humanidades. Para que consigamos desenvolver convivências saudáveis, respeitosas, amorosas e acolhedoras precisamos reconhecer as especificidades e o jeito de ser de cada pessoa.

Segundo o especialista em relacionamentos Gary Chapman (2013) em sua obra “As 5 linguagens do Amor”, existem cinco linguagens básicas para se expressar e compreender o amor. O que o autor tenta mostrar é que não existe uma forma única de comunicar amor nas relações interpessoais, mas que essas são múltiplas e específicas de acordo com a forma de a pessoa enxergar o mundo. Algo muito importante nesse processo relacional é buscar entender a linguagem de amor vivenciada por determinada pessoa, visando equilibrar as convivências. Na medida em que as pessoas buscam entender a comunicação afetiva dos seus pares, as relações interpessoais se tornam mais assertivas e melhores.

Será se cada um de nós reconhece as linguagens do amor? A forma como nos comunicamos é possível expressar uma linguagem amorosa? Nas nossas relações afetivas existe o cuidado de observamos se estamos considerando as particularidades de cada pessoa, sua forma de agir e se sentir amadas, aceitas?

A necessidade de amor, de se sentir pertencente, aceita, querida envolve a pessoa nas suas relações. O sentimento de amorosidade leva ao bem-estar humanos. É importante que seja ensinado às crianças a importância da amorosidade nas suas vivências cotidianas. Isso tem incidência na sua estabilidade e equilíbrio socioemocional.

As escolas têm um papel fundamental na construção de identidades que valorizem uns aos outros com seres singulares, que reconheçam as diversidades, as diferenças como inerentes a condição humana. É importante que todos aprendam a conviver de forma saudável, respeitosa, amorosa visando o bem-estar de todos e uma sociedade inclusiva e equitativa. Assim, é preciso ampliarmos a nossa visão de mundo, sair do nosso individualismo e percebermos que precisamos aprender a caminhar de forma coletiva, fortalecendo-nos enquanto comunidade humana.

Há uma metáfora muito interessante sobre o amor: diz que em toda criança existe um tanque emocional que aspira ser cheio de amor, como reflete o psiquiatra Ross Campbell, segundo Gary Chapman, e que comportamentos   inadequados da criança se originam na ausência do amor. Podemos ressaltar que muitos adoecimentos tantos de crianças como de adultos têm fundamentos na falta de amor. Será que o mau comportamento, a rudeza, a indelicadeza, a rispidez têm reflexos no tanque emocional vazio? É importante buscarmos essa compreensão da animosidade humana, porque, efetivamente, a natureza humana é o amor.

Nessa direção, o pensador Gary Chapman diz que dentre as cinco linguagens do amor, a primeira consiste em palavras de afirmação. Com isso, não entendo que exista uma receita com premissas predefinidas para seguir uma comunicação amorosa determinista. Definitivamente, não acredito que exista algo assim tão planejado e determinado, pois a impermanência e incertezas da vida desautoriza esses pressupostos. É possível que tenhamos possibilidades de trajetórias, ideias, sugestões, para buscarmos entendimentos humanos em promover convivências melhores e relações interpessoais mais saudáveis e afetuosas.

Assim, a primeira linguagem do amor, palavras de afirmação, mostra que o seu tanque de amor pode ficar cheio, compensado, feliz, se o seu parceiro, companheiro, colega, amigo, expressar para você palavras edificantes que lhe fazem bem. Elogios verbais, palavras que veiculam positividade, apreciação do outro, valorização do seu trabalho, do seu modo de ser, de suas competências e habilidades podem ser profícuos comunicadores de amor. Para determinada pessoa, essa linguagem do amor pode lhe contemplar, satisfazer, já para outra pessoa, essa linguagem já não soa tão interessante, embora sempre seja producente veicularmos palavras que elevem a estima da pessoa. Mesmo expressando chateação em algum momento da relação interpessoal, pode ter um efeito positivo dependendo do nível de honestidade e gentileza que essa comunicação é veiculada. O compartilhar de sentimentos pode ser uma verdadeira demonstração de amorosidade. A nossa forma de falar, de dizer as coisas é fundamental para o entendimento humano.

É importante ressaltar que nós podemos escolher em nos comprometer com o bem-estar da outra pessoa e assim estar buscando interagir e permanecer nutrindo relações de amizade e amorosidade. Assim, a relação baseada no amor é possível fazer solicitações a outra pessoa, mas não exigências. Os pedidos podem significar comunicações interativas que buscam compreensão mútua, entender modos de ser, expressar seus incômodos para que gerem relações mais saudáveis e afetuosas, mas, quando se exige, criam-se barreiras para a comunicação.

A segunda linguagem de amor, segundo o especialista Gary Chapman, é o tempo de qualidade. Para algumas pessoas, dedicar tempo representa amorosidade, afeição, cuidado, atenção, consideração. Para essas pessoas, o amor está relacionado com o tempo que lhes é dedicado, sua efetividade, quando se oferta atenção total, escuta com o coração, presta atenção, não desvia o olhar, não se distrai, é quando a pessoa doa momentos da sua existência para o outro.  Essa linguagem da comunicação afetiva é muito desafiadora, pois na sociedade atual, todos exercendo diversas atividades, conseguir dedicar parte da sua vida a outra pessoa é algo nobre e generoso. Mostrar que gosta de estar com a outra pessoa, que se sente bem na sua presença é uma linguagem de amor que contempla e satisfaz muitas pessoas. Prestar atenção aos sentimentos do outro, ao que ele diz, manter o olhar centrado nele é muito importante, pois se sentem contemplados com esse tipo de amor.

Existe uma terceira linguagem do amor que são presentes. Estudiosos, como alguns antropólogos, mostram que presentar em muitas culturas está relacionado ao processo amoroso. Não tem nada a ver com a visão consumista da sociedade capitalista, mas ao ato de se doar, e o ato de dar um presente não está ligado ao valor monetário, mas ao valor sentimental expresso a determinado objeto. O presente funciona como um símbolo, uma representação do amor para as pessoas que veiculam o presente a um significado afetivo. É importante ressaltar que os símbolos podem ter um forte valor emocional. Para algumas pessoas, essas simbologias têm mais significados do que para outras. O ato de presentear pode ter um significado intangível por seu sentido afetivo. A ação de presentear, para algumas pessoas, pode representar como se doasse a si mesmo ao outro. Seria um doar a si.

Outra linguagem do amor é atos de serviços. Essa quarta primária linguagem do amor se refere a fazer coisas que interessem para as outras pessoas nas relações interpessoais. Procura-se agradar ao outro por meio de serviços, fazer coisas. Não são exigências, essas interrompem o fluxo do amor, mas coisas praticadas livremente, com o simples objetivo de contribuir e agradar a outra pessoa. Essas são formas de aprendizagens, como reflete Gary Chapman, de buscar compreender e atender as necessidades do outro, sem julgamentos e sem críticas. Aceitar as pessoas na sua forma de ser continua sendo um grande desafio e um diversificado campo de aprendizagens.

A quinta linguagem do amor é o toque físico.  Essa linguagem do amor é bastante conhecida entre nós. É sabido por meio de pesquisas que crianças pequenas quando abraçadas, seguradas e beijadas desenvolvem uma vida emocional mais saudável do que aqueles bebês que ficaram muito tempo sem contato físico. O toque físico é a linguagem primária do amor para muitas pessoas, sem essa muitas não se sentem amadas. Um abraço para aquela pessoa que valoriza o toque físico, como sua linguagem de amor primário, é extremamente valoroso.

Então, aprender a linguagem de amor das pessoas é um dos caminhos possíveis para se desenvolver relações interpessoais mais saudáveis, respeitosas, harmoniosas e acolhedoras. Não existe pragmatismo no que concerne as experiências humanas e suas amorosidades. Apenas existem possibilidades de aprendizagens. Caminhos a serem vivenciados. Muitas pessoas podem agregar várias linguagens do amor, outras podem ser mais especificas nas suas comunicações amorosas. Trazer bem-estar para as pessoas, doar amor pode ser o caminho para convivências inclusivas e equilibradas e uma sociedade equitativa. Destaca-se, aqui, a importância de que “é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” com o outro, assevera Benveniste (1966, p.259), ou seja, a pessoa vive na e pela linguagem, sendo ela a própria linguagem viva.

Finalizo com a composição de Milton Nascimento Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor: “ Cheguei a tempo de te ver acordar/ Eu vim correndo à frente do sol/ Abri a porta e antes de entrar/ Revi a vida inteira[…]Você vai ter que encontrar/ Aonde nasce a fonte do ser/ E perceber meu coração/ Bater mais forte só por você/ O mundo lá sempre a rodar/ E em cima dele tudo vale/ Quem sabe isso quer dizer amor/ Estrada de fazer o sonho acontecer”.

*Vera Lúcia Braga de Moura é professora e doutora em História. Gerente de Políticas Educacionais de Educação Inclusiva, Direitos Humanos e Cidadania. SEDE/Secretaria de Educação e Esportes do Estado de Pernambuco. Escreve às quintas-feiras.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.

Foto destaque: youtube.com