O Nobel da Paz e a urgência no combate à fome
José Ambrósio dos Santos*
EM 10.10.2020
O mundo aplaudiu, ontem, a conquista do Prêmio Nobel da Paz 2020 pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), agência da Organização das Nações Unidas (ONU). Louvável, sem dúvida, o reconhecimento feito pelo Comitê Nobel da Noruega. Mas, ao mesmo tempo, a escolha significa que o mundo está (ou continua) falhando e muito no compromisso de erradicar a fome, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU adotado pelos países em 2015.
A agência da ONU receberá o reconhecimento pela assistência alimentar fornecida a milhões de pessoas em todo o mundo, em particular durante a pandemia do novo coronavírus.
A própria nota do secretário-geral da ONU, António Guterres, ao comentar a premiação, atesta essa falha. Disse ele: “Em um mundo de abundância, é inescrupuloso que centenas de milhões de pessoas vão para a cama todas as noites com fome.”
Ou seja, enquanto muitos trabalhos voltados à fraternidade entre as nações, à abolição ou redução de exércitos permanentes e à realização e promoção de congressos de paz. como preconiza a premiação são desenvolvidos em várias partes do planeta, os organizadores do Nobel da Paz precisaram chamar a atenção do mundo para a insegurança alimentar. O Comitê realça que o mundo corre o risco de passar por uma “crise de fome de proporções inconcebíveis”, se o PMA e outras agências de assistência alimentar não receberem o apoio financeiro que pediram.
Cerca de 135 milhões de pessoas sofreram de fome aguda em 2019, um recorde em anos. A guerra e os conflitos armados são apontados como os principais responsáveis pela situação.
Em pronunciamento, o presidente do Comitê, Berit Reiss-Andersen, realçou a ligação entre a fome e o conflito armado como um círculo vicioso: a guerra e o conflito podem causar insegurança alimentar e fome, assim como a fome e a insegurança alimentar podem gerar conflitos latentes e o uso da violência. Ele destacou que as ações do PMA também “lançaram as bases para a paz em nações onde ocorrem guerras”.
Em 2019, quase 100 milhões de beneficiários receberam ajuda em 88 países. Foram vítimas de insegurança alimentar aguda e fome, incluindo situações onde a combinação de conflito e da pandemia aumentou o número de pessoas que estão na iminência da fome.
Na terça-feira (6) a Comissão de Direitos Humanos no Sudão do Sul denunciou que forças do Governo do Sudão do Sul estão privando comunidades que vivem em áreas controladas pela oposição de recursos necessários para sua sobrevivência. Uma tática que usa a fome como método de guerra.
Um documento de 46 páginas revela que entre janeiro de 2017 e novembro de 2018, as forças do governo privaram as comunidades Fertit e Luo, no estado de Bahr el Ghazal, de recursos críticos. Os comandantes do governo também autorizaram seus soldados a se recompensarem com a pilhagem de objetos essenciais à sobrevivência dessas populações rurais. Desde 2013, o conflito causou sofrimento incalculável à população civil, resultando em níveis impressionantes de insegurança alimentar aguda e desnutrição. Cerca de 7,5 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária.
Como ensinou dom Helder Câmara, “A fome dos outros condena a civilização dos que não têm fome.” O mundo precisa responder com urgência a essa emergência que já dura milênios.
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.
Foto destaque:Unicef/Peter Martell –
Muito oportuno E necessário seu artigo Ambrósio! Sim, nenhum tipo de violência deve ser aceita e a fome é uma das maiores violências que incide no ser humano, porque o primeiro direito humano é a vida , pois sem a vida não vamos a lugar nenhum! Por isso lutemos por um mundo sem fome! Parabéns!
Isso mesmo, Vera. A fome é algo terrível e inaceitável em qualquer parte do mundo. E saber que há quem use a fome como tática de guerra. É abominável.