O Cabo e o tempo
José Ambrósio dos Santos*
Em 18.10.2020
Em uma rápida caminhada ontem à tarde pelo centro antigo do Cabo de Santo Agostinho, pude constatar como a cidade que está entre as cinco mais importantes da Região Metropolitana do Recife preserva características interioranas.
Depois de agradecer as bênçãos recebidas e pedir perdão pelas faltas cometidas, em prece na igreja Matriz de Santo Antônio, segui pela Rua Vigário João Batista até a igreja de Santo Amaro. Palco de acontecimentos importantes, por se tratar do centro histórico, o centenário casario encontra-se quase completamente descaracterizado. Os bonitos prédios residenciais agora dão vez ao comércio.
Mesmo assim, observei que muitas coisas ainda funcionam à moda antiga. Já à saída da igreja, o menino vendendo picolé (o trabalho infantil que persiste em uma cidade com forte parque industrial e de serviços). O som inconfundível da Divulgadora Voz da União logo despertou a atenção do visitante que retornou à cidade. Bateu uma certa nostalgia. Morei na Rua Visconde de Porto Alegre – extensão da Vigário João Batista – em meados da década de 1970 e passava pela chamada Rua da Matriz todos dias.
Locutores gritavam aos microfones chamando as pessoas para a loja, aumentando os decibéis de uma rua já barulhenta com o ronco incessante dos veículos, principalmente motos. Entretanto, isso não tirou a atenção do visitante que seguia caminhando pela calçada à esquerda, mas sempre olhando para o retrovisor, revendo cenas de um passado recente se repetindo.
A conversa de familiares nas janelas observando o vaivém das pessoas. Do mesmo modo, a conversa das janelas entre moradores e pessoas na calçada. A pressa não me permitiu atravessar a rua e cumprimentar algumas pessoas conhecidas reunidas em frente à casa de dona Cecita (uma das poucas preservadas). Uma mulher linda, simples, amável e amada pela comunidade.
Próximo ao antigo Mercado da Farinha, comerciantes antigos cujos nomes não me lembro numa prosa sem pressa. A aposentadoria permite esses ‘luxos’, como dizem alguns. Gargalhadas que eram ouvidas do outro lado da rua, apesar do barulho.
Um pouco adiante o encontro sempre provável com Assis (ex-Rei Momo) com seu inseparável boné português, sentado em frente à sua lanchonete. Do outro lado da rua, Roberto de seu Duca conversava animado com clientes de sua loja de materiais esportivos.
A poucos metros dali, uma cena inesperada, embora deva ser cotidiana. Em plena rua, entre dois carros estacionados, cerca de 15 homens rodeavam outros quatro, atentos a uma disputada partida de dominó. Torcidas barulhentas, mas que uniam camisas do Sport, Santa e Náutico.
Um pouco mais adiante, João ‘BS’ observava os jogadores da porta da sua casa. Eu o havia visto um pouco antes, na igreja matriz. João ‘BS’ não me conhece, mas eu o conheço desde o tempo em que ele era o tesoureiro do prefeito José Alberto de Lima, o popular Zequinha da Bolacha. João Belarmino da Rocha Filho (João BS), pai do amigo Amauri Rocha, é conhecidíssimo por quem nasceu, reside ou residiu no centro Cabo há pelo menos cinco décadas.
Olhei para a direita e vi um estacionamento onde antes uma simpática casa abrigava Douglas, Fred, Tuninho, Romário, Ronaldo, Robson, Romero, Roberto e Rosana. Além de seu Tuni do Cartório e dona Maria Tereza. Nem mesmo as casas de Armínio e Antonia Guilherme, como a de Zezé da Olaria, resistiram à pressão do comércio. Bem antes, o Cine Santo Antônio saíra de cena, dando lugar ao comércio já em crescimento. Também há algum tempo o casarão de dona Terezinha, mãe dos amigos Manoel Sebastião Fernandes Vieira e Markene, abriga pontos comerciais.
No final da rua, esquina com o Beco do Salgado, Silvinho sempre atento à clientela da sua casa de ração animal. Encerrei a caminhada observando uma farmácia que agora ocupa o prédio onde funcionava o bar de seu Toinho, de tantas boas recordações desde a juventude. Ponto de encontro de estudantes, poetas, artistas, boêmios, intelectuais e políticos. Era muito bom saborear uma ‘buchadinha’ feita por dona Dá (a esposa de seu Toinho e mãe do amigo Fernando da Lira) tomando uma ‘lapadinha’ de cachaça e umas cervejas em companhia de amigos. Eita como era bom!
*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.
Parabéns pelo artigo Ambrósio!
A contação de histórias de si é um campo multifacetado! Muito interessante porque outras pessoas entram na sua história e vai reelaborando outra historicidade, daí uma história é palco de uma multiplicidade delas! Seu rememorar trouxe uma cor multicolorida as ruas do Cabo de Santo Agostinho! Muito bom!
Isso, Vera Braga. Vejo como você. Considero muito importante a contação de histórias, para hoje e para amanhã. Obrigado pelo belo comentário.
Bom domingo dia do Senhor, trabalhei e servi mais de Agostinho,30 anos na Prefeitura Municipal do Cabo de santo Agostinho, sou cidadã Cabense título me concedido pela Câmara municipal a pedido do Vereador Caminho, que Belo passeio fiz agora, obrigada ao jornalista Ambrosio,que o Espírito Santo te ilumine e dê sabedoria.
Obrigado, Célia.