A condição trágica da existência humana
Nelino Azevedo de Mendonça*
Em 21.10.2020
Somos seres de abertura para o mundo, sempre em busca do sentido desse próprio mundo na intenção de encontrar o sentido de si. Esse processo de busca valida a ancoragem humana na dimensão histórica da utopia. É na utopia e pela utopia que nós, seres humanos, encontramos a força motriz que nos impulsiona a alcançarmos a condição plena de satisfação de vida, mesmo sabendo que o ideal dificilmente será atingido. No entanto, o ideal pode ser aquele momento de regozijo e de sensação de bem-estar pleno, mesmo sendo provisório e passageiro, pois o ideal é volátil e mutável. Ele não é uma substância que passa a compor o ser do ser humano. É algo superável sempre que o alcançamos, pois ele está à mercê das circunstâncias e vicissitudes da vida.
A condição trágica da existência humana encontra-se no paradoxo de que estamos sempre em busca da plenitude, marcada pela insaciável necessidade do infinito e pela condição limitante de finitude, que encerra em si a impossibilidade de experenciar a tão almejada plenitude. Há uma tensão perturbadora nesse paradoxo, que é o fato da impossibilidade da plenitude, marcada pela nossa condição temporária no mundo. Ao mesmo tempo em que desejamos a experiência da infinitude, queremos também o seu oposto inconciliável que é a superação da finitude. Bartolomé Ruiz nos indica que “A consciência dessa tensão paradoxal entre o Infinito almejado e a finitude insuperável é o que denominamos de condição trágica da existência humana” (Castor Bartolomé Ruiz, 2006, p.), no livro ‘As encruzilhadas do Humanismo’, Vozes.
Mesmo sabendo da impossibilidade de alcançarmos a plenitude daquilo que almejamos para a nossa vida, não deixamos de buscá-la, ao longo da nossa existência. Não paramos de buscar aquilo que nos parece confortante e possível de nos completar. Sejam coisas materiais, simbólicas ou afetivas. Estamos sempre em busca de algo que nos sirva como lenitivo para as nossas lacunas e incompletude, muito embora saibamos que jamais deixaremos de ser seres incompletos, inconclusos. Esse paradoxo, no entanto, pode nos colocar diante de uma ambivalência em nossas vidas. Por um lado, remete-nos a uma condição de tragicidade e que pode nos levar a uma experienciação existencial niilista, colocando-nos num espaço vivencial de pessimismo e de negação das possibilidades de reconstrução de caminhos e negação da própria vida. Por outro lado, coloca-nos na compreensão de que esse paradoxo nos direciona para uma dimensão libertadora da vida humana, na medida em que nos coloca irremediavelmente no caminho da esperança transformadora, sustentando-nos numa atitude otimista e utópica diante da nossa existência.
Essa atitude fatalista nos leva ao desespero da angústia a partir do momento em que acreditamos que o nada é indubitavelmente o nosso destino.
Na medida em que tendemos a assumir esse paradoxo numa perspectiva utópica e otimista, passamos também a assumir que somos seres de infinitas possibilidades e potencialidades criadoras, capazes de experiências relacionais consigo mesmo e com os outros, alicerçadas na alteridade e, portanto, possibilitadoras de convivências solidárias, cooperativas, cidadãs e amorosas. A construção de convivências sociais humanizadas passa também pelo posicionamento não pessimista diante da nossa existência. O risco possível e inviabilizador de não experenciarmos essa condição esperançosa da vida é nos atrelarmos ao sentido de que não temos saída diante da nossa insuperável finitude e que nada podemos mediante a inatingível plenitude da vida. Essa atitude fatalista nos leva ao desespero da angústia a partir do momento em que acreditamos que o nada é indubitavelmente o nosso destino. Esse posicionamento derrotista nos faz sucumbir e nos amordaça existencialmente, como se nada pudéssemos. Isso nos coloca numa perspectiva sádica e nefasta diante da vida.
Essa condição trágica da existência humana deve servir como um despertar da consciência trágica do próprio sujeito e remetê-lo a um processo esperançoso de sua prática. A esperança nutre-se de uma força utópica capaz de prover um futuro viável, no qual o ser humano seja capaz de vivenciar concretamente suas conquistas, mesmo que elas sejam pequenas e insuficientes para que se atinja uma condição de plenitude. A utopia assume aqui o sentido de uma força iluminadora capaz de mover o ser humano a uma práxis criadora e revolucionária que o direciona a novos horizontes e a vivências transformadoras de si mesmo e nunca a um sentido daquilo que se limita ao campo do irrealizável. Nesse sentido, a utopia nos remete aos horizontes do realizável, do possível, do alcançável.
Ao mesmo tempo essa consciência trágica do ser humano também possibilita o entendimento de que se perdemos a crença e abdicamos dessa utopia, não passaremos de marionetes no jogo torpe do destino. Seremos apenas um objeto preenchendo um vazio, sem alma e sem voz, desprovido de qualquer capacidade criadora. Abdicar da utopia que alimenta a possibilidade de alcançar o inédito viável é o mesmo que assumir uma atitude necrófila de si. É o mesmo que transformar a dimensão trágica da finitude num mero fator de mediocridade e fazer da vida um sem sentido. Por essa razão, é vital compreender que a nossa condição nesse trágico paradoxo humano deve nos direcionar a uma abertura humana que nos remeta, através da dimensão esperançosa da utopia, à concretude de um futuro viável capaz de fazer valer as nossas humanidades num contexto presente.
*Nelino Azevedo de Mendonça* é professor, mestre em Educação e membro da Academia Cabense de Letras. Escreve às quartas-feiras.
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Muito bom seu texto Nelino.
O paradoxo da finitude da vida Humana e a busca pela experiência infinita cria um campo de tensão , mas tb de infinitas possibilidades. Afinal, morremos ou apenas nos transformamos? Parabéns pela reflexão proposta.
Nelino,
Vamos continuar com as esperanças, conquistadas, para as utopias humanas. Muito bom o que você escreve. Lucidez, profundidade e leveza. Parabéns.
Caro Fernando, agradeço pelo seu comentário e elogios. Fé na vida. Abraços.
Obrigado pelo comentário, Vera Braga.