Racismo na fundação de combate ao racismo
Enildo Luiz Gouveia*
Em 22.10.2020
Em janeiro de 2018 visitei a Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, Alagoas. Local de uma beleza natural e cênica impressionante que nos ajuda a mergulhar na própria história do nosso país. A Serra da Barriga foi a principal sede do Quilombo dos Palmares que, liderado por Zumbi e outros guerreiros e guerreiras, impuseram diversas derrotas às investidas portuguesas para acabar com aquele espaço de liberdade e solidariedade entre os povos. Sim, o Quilombo dos Palmares não tinha só negros. Agregava também indígenas e brancos pobres. De tão emocionado que fiquei, compus poema e música inspirado na memória do Quilombo dos Palmares.
Com um discurso que se diz não-ideológico (como se isto fosse possível) chega à presidência da Fundação Palmares (órgão federal responsável por manter a história viva e apoiar ações de combate ao racismo e preconceito), o senhor Sérgio Camargo. Apesar de ser brasileiro e negro, Sérgio Camargo acumula declarações que buscam negar a história escravagista da colonização do Brasil. Atacou Zumbi, Mandela, Benedita da Silva, Marina Silva, Alcione, o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) e todas as lideranças negras do passado e presente que, de alguma forma, tem ideais contrários ao atual governo federal. Além disso, quis desmerecer o Dia da Consciência Negra e afirma que a data da assinatura da Lei Áurea (13/05/1888) fez mais pelos escravos negros que a luta travada por estes nas senzalas, quilombos e, atualmente, nas favelas e periferias.
Em artigo publicado neste blog no dia 23/09/2020 afirmei que o (in) consciente coletivo brasileiro nutre a ideia do super-herói, salvador da pátria que virá redimir nossa Nação, Estado, Município. E que muitos políticos profissionais exploram esta crença até certo ponto ingênua em benefício próprio. Enquanto se aguarda a “Vinda do Salvador” esquece-se dos verdadeiros heróis da nossa história como o próprio Zumbi, Dandara, Frei Caneca entre outros. É justamente nisso que se apoia toda a política implantada hoje na Fundação Quilombo dos Palmares: o estímulo à descrença; ao esquecimento das bandeiras de lutas, dos ideais que mobilizaram estas e outras referências para a nossa cultura; a deseducação histórica e cultural do nosso povo; a desvalorização da música e de toda expressão artística que busque expressar o belo e a crítica. Assim, o povo fica mais dócil, desmobilizado, menos crítico, mais alienado, cada vez mais à espera do redentor. Não é demais afirmar que Sérgio Camargo presta um desserviço ao Brasil.
Segue o poema inspirado na memória do Quilombo dos Palmares:
QUILOMBANDO
Sou da Serra da barriga
Novo quilombo que se formou
Construo as trincheiras da resistência
Sangue de África derramouTempos passados de muita luta
Tempo presente continuou
Futuro de luta que nos aguarda
Junto dessa gente que eu vouA morte sempre está presente
Favela/Senzala se levantou
A casa grande ainda de pé
Liberdade que nos roubou.
*Enildo Luiz Gouveia é professor do IFPE e membro da Academia Cabense de Letras – ACL. Escreve às quintas-feiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do blog Falou e Disse.