Bolsonaro apequena o Brasil
Ayrton Maciel*
Em 08.11.2020
Por piores que sejam os maus, pessoas que possuem escrúpulos sempre terão os princípios para conterem-se diante deles. Conter impulsos, reações. Os escrúpulos são um autocontrole. Diferentemente dos que não os possuem. Esses, têm certeza da onipotência e da impunidade. Não raro, quando governantes, alguns acreditam que cumprem uma missão, que foram escolhidos por Deus, por um deus, por uma força superior. Ficam tão despreocupados com a possibilidade de qualquer antagonismo, que uma coisa chamada povo – esse ser coletivo, força dinâmica como a terceira Lei de Newton, porém de maior potência – acaba por ruir deuses. Aí, só lhes resta espernear: “Não aceito, não saio, não entrego”. É o caso do pobre mortal Donald Trump, agora um presidente dos EUA em fim de história. A queda de Trump é uma passo à frente da civilização.
Os maus podem ser os piores, mas também podem ser uma imitação. O que não os impede de serem nefastos. Tendem a ser mais burlesco e caricatural. Descendo do norte ao sul da América, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, presta-se a esse papel coadjuvante: não é um deus e não é o original. É a caricatura do seu ídolo, sombra e imagem à semelhança do seu mito. Isso à custa da soberania, independência e aparência do Brasil ao mundo. Bolsonaro governa o Brasil como uma republiqueta (termo pejorativo impróprio a qualquer país), tal a sensação de subserviência, incapacidade de autonomia, inexistência de sentimento de honra (brio). O presidente amiúda, humilha o Brasil, pelo despreparo literal para uma postura de estadista ante a vitória de Joe Biden sobre Trump.
Não tivesse o Brasil um território maior que o dos EUA (descontado o Alasca), poderíamos nos sentir o menor país da Terra. Não bastassem as sucessivas manifestações de alinhamento incondicional e preferência explícita por Trump – inadequados e incomuns na diplomacia nacional -, a recusa em reconhecer e parabenizar o vitorioso Joe Biden, quando as principais lideranças do mundo já o fizeram, soa como vassalagem e provocação. Aguardar que o derrotado Trump tome a iniciativa ou libere os vassalos para o reconhecimento do vencedor coloca o Brasil de cócoras. Postura que ameaça as relações históricas entre países soberanos. Bolsonaro apequena o Brasil. Biden não quer as sandices de Bolsonaro, como quis Trump.
Desde a declaração da vitória de Biden, a mudança ao Norte já é uma pedra no sapato para a reeleição de Bolsonaro em 2022.
O reconhecimento virá, quer queira ou não Bolsonaro. Hoje, amanhã, depois. Entretanto, o gesto de aceitação a contragosto não vai apagar a vergonha do silêncio inicial. Bolsonaro não vai poder continuar imitando os esperneios de Trump. Irá admitir que não “está em missão” no Brasil, unicamente imita o ídolo político. Negar, mentir e agredir são três verbos, a partir de agora, no particípio passado. Desde a declaração da vitória de Biden, a mudança ao Norte já é uma pedra no sapato para a reeleição de Bolsonaro em 2022. Não porque haverá interferência direta de Biden, mas pelo que representa a sua eleição (a de Biden) para os países democráticos.
Neste momento histórico, qualquer diminutivo se apropria a Bolsonaro: subserviente, submisso. Qualquer substantivo ou adjetivo que apequene o seu poder é expressivo de sua autoridade. Assim ele quis. Bolsonaro não entende ou faz que não entende, o que dá no mesmo. Pior para o Brasil, sua imagem e os riscos comerciais. As lideranças mundiais congratulam-se com Joe Biden e a vice Kamela Harris. Bolsonaro, sem liderança e desgastado, prefere esperar por Trump.
Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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Foto destaque: Reuters