Não foi ideologia. Esteve em jogo a civilização
Ayrton Maciel*
Em 16.11.2012
Passado o suspense inicial da contagem dos votos e a inconsequência de um mau perdedor, o mundo respira mais aliviado, leve e livre com a vitória do democrata Joe Biden nos Estados Unidos. Possivelmente, até 20 de janeiro o presidente republicano derrotado, Donald Trump, vai prosseguir jogando suspeitas sobre as instituições fiscalizadoras de seu país – que certificaram a correção das eleições e a legitimidade do resultado -, desafiando os vencedores e desrespeitando a bicentenária democracia representativa norte-americana. Se o próprio Trump disse que “não sabe perder”, conclui-se que para o presidente não são “os EUA em primeiro lugar”, e sim “Trump em primeiro lugar”.
Espernear é um direito do mau perdedor, mas uma “coisa feia” e antidemocrática. O importante é que podem ser criadas, com Biden, condições e, consequentemente, surgir circunstâncias que favoreçam ao diálogo internacional: menos radicalismo ideológico e fundamentalismo religioso e mais acordos comerciais e pactos ambientais e sanitários. Condições e circunstâncias que serão uma via de mão dupla, na medida em que dependem da disposição das potências econômicas e militares. Em meio à mais mortífera pandemia em 100 anos, o mundo vai fechar 2020 e começar 2021 muito mais pró-ciência, menos obscuro. A esperança venceu a ignorância nas urnas. Bom para a democracia e a convivência no mundo.
A vitória de Joe Biden não significará o fim da arrogância dos EUA, assentada na riqueza de sua economia e na truculência militar. Os norte-americanos vão continuar interferindo, intervindo e promovendo golpes em nações desafetas, desde que essas ações sejam argumentos para a sua defesa externa e interna. É preciso reconhecer, no entanto, que não são unicamente os EUA uma ameaça à autodeterminação de povos e à soberania de países. Potências militares como a China, hoje maior concorrente econômico, e a Rússia usaram e usam o poderio para impor vontades hegemônicas. É o caso da Criméia, o caso de Hong Hong, a dependência da Coréia do Norte. São contextos no tabuleiro da nova Guerra Fria.
Mas, é possível esperar que a eleição de Biden signifique mais chances de diálogo e negociações, menos retórica de ameaças e a contenção das decisões unilaterais. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, conservador e um dos principais aliados de Trump, fez o melhor resumo da mudança nos EUA: “Foi como voltar ao que estávamos acostumados'”. Nada como a perspectiva mínima de bonança num mundo conturbado. Imaginar uma segunda vitória de Trump seria tão aterrorizante que dificultaria imaginar o futuro próximo da humanidade. Pode parecer um exagero, mas não dá para pensar menos que isso. Biden versus Trump não foi uma briga entre capitalismo e socialismo. Esteve em jogo a civilização.
Ayrton Maciel é jornalista. Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991. Escreve aos domingos.
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Foto destaque: Reuters