Um velho bar, um velho sisudo, uma lição de vida

Por

José Ambrósio dos Santos*

Em 16.11.2020

Findava a tarde ontem quando eu caminhava pelo centro do Cabo de Santo Agostinho (PE). Muita gente ainda com muitas expectativas de vitória dos seus candidatos, muita gente já se contentando com a possibilidade de insucesso. De quatro em quatro anos é sempre assim, em dia de eleição: profusão de cores, discussões às vezes acaloradas entre eleitores, alegrias e tristezas ao final da contagem de votos. De repente fui tomado por uma saudosa lembrança ao chegar no Largo de Santo Amaro, na parte velha e alta da cidade, palco de grandes comícios em um passado não muito distante.

Em pleno Largo, na Rua Visconde de Porto Alegre, número 18, funcionava um bar simples, discreto, mas que era o reduto dos políticos. Em dias (noites) de comícios era para lá que se dirigiam candidatos e apoiadores. Juntavam-se a poetas, boêmios, seresteiros, operários, estudantes, professores, jornalistas, magistrados, médicos, advogados e tantos outros profissionais, habituais frequentadores. Muitos tinham cadeiras e horários certos. Alguns há certo tempo não mais podiam ser encontrados, pois, como se costuma dizer em mesa de bar, partiram para o andar de cima, frase dita sempre com gestos de respeito.

Nem mesmo a receptividade discreta e muitas vezes sisuda quebrava o encanto, até para clientes de primeira viagem. O que atraia tanta gente? A resposta está na simplicidade, sinceridade, serenidade, afetividade e na tolerância do seu antigo proprietário. Foi exercitando diariamente essas cinco qualidades que ele conquistou gerações de adeptos, no seu caso fregueses. Daqueles fregueses que quando viajam ficam marcando o dia da volta para dar uma chegadinha naquele lugar especial, um simples boteco à moda antiga que o pouco dinheiro que rendia não permitia apetrechá-lo com objetos que se costuma ver em bares e que de certa forma cativam muita gente.

Velha máquina registradora – Foto: Amauri Rocha

Nada disso. Aliás, longe disso. Um velho balcão, mesas e cadeiras somente vistas em velhos barracões de engenhos. Uma pia que estava sempre a exigir mais cuidados, panos de mão que muitos dispensavam. Nada que um rápido esfregar de mãos não resolvesse e logo se estava pronto para a cervejinha gelada ou a cachacinha esperta para avivar ainda mais a vontade de saborear a buchadinha, o guisadinho.

Comidas cujo preparo os clientes podiam acompanhar através da porta da cozinha sempre aberta, de modo que o aroma invadia o salão. Quem sabe mais uma esperteza para que ninguém saísse sem provar dos deliciosos pratos elaborados por dona Dá, sua dedicada esposa.

A famosa cozinha comandada por dona Dá – Foto: Amauri Rocha

Quem nunca se encontrou com Murilo Lages, Laércio Monteiro, Antonino Júnior, Ronildo Albertin, Gessé Santos, Wilson Nascimento Paes, Douglas Menezes, Elias Gomes, Natanael Júnior, Ferreirinha, Lúcio Monteiro, Cristiano Ferreira, Amauri Rocha, Eriberto (Beto) Paes, entre tantos outros, nas idas àquele bar? E quem nunca se envolveu nas acaloradas discussões políticas que em algumas ocasiões tiveram a participação de interlocutores como Jarbas Vasconcelos, Cristina Tavares , Marcus Cunha, Miguel Arraes, Eduardo Campos, Cid Sampaio, Marcos Freire, Luiz Inácio Lula da Silva, João Paulo e que invariavelmente contavam com a participação serena e sábia de um atento observador de quase três quartos de século da cena política do Cabo de Santo Agostinho e de Pernambuco?

Seu Toinho – Acervo da família

O nome do bar? Nem sei se tinha nome, mas todos o conheciam como o Bar de seu Toinho, ao lado da igreja de Santo Amaro. Seu Toinho partiu para o andar superior em maio de 2012. Certamente foi recebido por muitos que abraçou em seu bar comemorando, confortando, orientando e até puxando orelhas, sempre com o aconchego de quem aprendeu a viver modestamente, mas com sabedoria e muita dignidade.

Menos de dois anos após a sua partida o bar encerrou as atividades, mas não antes de uma saideira (derradeira) de antigos frequentadores. Foram eles que de fato fecharam as portas, transformando um momento triste em um ato festivo, de modo a terem sempre uma boa lembrança do Bar de seu Toinho.

 

Amauri Rocha e Eriberto (Beto) Paes na última saideira no Bar de Seu Toinho – Arquivo pessoal de Amauri Rocha

*José Ambrósio dos Santos é jornalista e membro da Academia Cabense de Letras.